AeroPerú: Os incas alados nos céus americanos
Fundada em 1973, a conhecida companhia aérea foi mais uma vítima da consolidação da aviação sul-americana na década de 1990

O Peru sempre teve um papel relevante na América, com o Império Inca e posteriormente o Vice-Reino de Peru, implantado pelos espanhóis sobre os incas. Mais recentemente, no Século 20, a capital Lima desempenhou papel importante nas ligações aéreas do continente.
Sua localização estratégica, ao nível do mar, e uma economia relativamente estável atrairam estrangeiros para investir na aviação local, como a Deustche Lufthansa Peru, a Peruvian Airways – ligada à Pan American e vendida para Panagra, e a Compañia de Aviación Faucett, fundada por Elmer Faucett. A heterogeneidade do Peru, com Amazônia, deserto e os Andes, fascinava os aviadores e empresários em buscar ligações aéreas, uma vez que as estradas eram precárias.
Lima foi um ponto importante nas ligações entre América do Norte e América do Sul, sendo hub da Panagra e Braniff International, esta inclusive ligando Miami e o Brasil via Lima.
Entre 1956 e 1971, o país contou com uma empresa aérea de bandeira, a Aerolíneas Peruanas S.A, que chegou a voar para Europa nos seus anos finais. No mercado doméstico operavam a Faucett e a SATCO – Servicio Aéreo de Transporte Comercial, ligada à Fuerza Aérea del Perú.

Surgimento de uma nova flag carrier
No governo militar de Juan Velasco Alvarado foi decidido criar uma nova companhia aérea que absorvesse a SATCO e preenchesse o vazio da APSA. Surgia em 22 de maio de 1973 a Empresa de Transporte Aéreo del Perú – Aeroperú, com três Fokker 28 da SATCO.
A empresa cresceu rápido: em 1974 já tinha voos para Buenos Aires, Guayaquil, Miami e Santiago, proporcionados pela chegada do OB-R-1081, um Boeing 727-100 ex-Eastern Airlines, e de dois Douglas DC-8-54 ex-VIASA: OB-R-1083 e OB-R-1084. No mercado doméstico, os Fokker 27 foram encomendados para aeroportos menores.

A AeroPerú esteve no centro de uma disputa entre Lima e Washington. A estatal peruana tinha sete voos semanais entre Lima e Miami enquanto a Braniff International possuía 34. O governo peruano solicitou que a empresa de Harding Lawrence reduzisse as frequências para 16, o que foi recusado. A disputa envolveu o Departamento de Estado e os peruanos se mostraram combativos ante a pressão americana, como o ministro da defesa do Peru, General Rolando Gilardi afirmando que “não nos permitiremos ser submetidos a esse tipo de pressão colonialista”.
No fim, a vontade peruana prevaleceu e a Braniff reduziu a quantidade de voos enquanto a Aeroperú pôde estabilizar suas finanças e planejar ampliação para os Estados Unidos. Até 1978, as cidades de Bogotá, Campinas, Caracas, Cidade do México, Los Angeles, Nova York e Rio de Janeiro entraram na malha da Aeroperú, a transformando em uma das principais flag carriers sul-americanas, junto com a Aerolíneas Argentinas, Avianca, LAN Chile, VARIG e VIASA.

A coroação da AeroPerú foi o recebimento de dois Lockheed L1011-1 Tristar, colocando o primeiro jato em serviço em 14 de dezembro de 1978 na rota para Nova York. Inicialmente foram encomendados dois modelos da versão menor, o -500, porém com maior autonomia, mas diante dos atrasos na produção, a Lockheed ofereceu dois modelos -1 que estavam estocados após voarem na Pacific Southeast Airlines (PSA).

Os aviões possuíam acesso por uma escada inferior e um lounge no porão, conferindo uma sofisticação e diferenciação em relação à concorrência. A operação dos L-1011 marcou uma gloriosa época para a AeroPerú, que ainda expandiu sua malha para a Cidade do Panamá, La Paz e Quito.
A década perdida
Enquanto a AeroPerú vivia sua melhor fase, ocorreu o Segundo Choque do Petróleo e os já caríssimos L-1011 transformaram-se em um fardo para a empresa. Em 1ºde agosto de 1980, o Douglas DC-8-43F operado pela cargueira Aeronaves del Perú em parceria com a AeroPerú se chocou contra o Cerro Lilio, vitimando três dos sete ocupantes. Seriam presságios da turbulenta década de 1980.
Em 1980, Fernando Belaúnde é empossado pela segunda vez como presidente do país, acabando com a ditadura que existia desde 1968. O Peru vivia uma grave crise econômica em parte pela crise do petróleo e a gestão dos governos militares. Além disso, movimentos armados ganharam força no país, principalmente o grupo Sendero Luminoso, de orientação marxista.

A AeroPerú devolveu os TriStar e trouxe no lugar deles cinco DC-8-62 entre 1981 e 1983, além de cancelar os voos para Los Angeles e Nova York. Para a frota nacional trouxe mais Boeing 727-100, inclusive o PP-CJH da Cruzeiro do Sul, que teve uma pintura híbrida entre as duas empresas.
A década de 1980 não veria expansões na malha da AeroPerú, basicamente mantendo a lucrativa rota Buenos Aires-Santiago-Lima-Miami com os DC-8, os voos para países próximos com o Boeing 727-100 e os Fokker 28 em voos regionais. Em 25 de outubro, a frota de F-28 foi reduzida após o acidente com o OB-R-1020 em 25 de outubro 1988 em Juliaca, vitimando 11 dos 65 passageiros e um membro da tripulação.

O Peru chegou ao fim da década de 80 com a renda per capital no mesmo nível que em 1960 e o PIB praticamente estagnado. Em janeiro de 1990, a malha da AeroPerú era a seguinte: oito voos semanais para Miami; três para Rio de Janeiro via São Paulo; três para Buenos Aires via Santiago; cinco para Cidade do México, sendo dois via Guayaquil e Cidade do Panamá; dois para Caracas via Bogotá; dois para La Paz; 14 semanais para Cuzco e 13 para Arequipa.
Os voos domésticos eram feitos com o Fokker 28 e 727-100, e os internacionais com o DC-8-62, exceto La Paz que era atendida também pelos 727-100. Sem capacidade de renovação da frota, a AeroPerú faz contratos de wet leasing com empresas estrangeiras e a partir de 1990 operou com DC-8-63 e o Boeing 767-200 nas cores da Britannia Airways.
Privatização: esperanças e debacle
Em 1990, Alberto Fujimori se tornou presidente do Peru e dois anos depois decretou um golpe de Estado ao fechar o Congresso e a Suprema Corte. No plano econômico começou a privatização das estatais, entre as quais a AeroPerú.

Em 15 de dezembro de 1992, o Grupo Leigh, através das subsidiárias Faucett e da Naviera Santa S.A, comprou 70% da AeroPerú. Entretanto, a aquisição foi impugnada e em 25 de janeiro do ano seguinte a AeroMéxico comprou 47% da empresa por US$ 54 milhões. O governo peruano manteria 20% enquanto 10% foram para os funcionários, 21% para a empresa Semirco e 2% para Zapata de Papini, peruana casada com um dos diretores da AeroMéxico.
No mesmo ano, sob nova gestão, chegaram três Douglas DC-10-15 pertencentes à Mexicana de Aviación, adquirida pela Aeroméxico no mesmo período, para substituírem os DC-8-62, desativados em 1994. Os aviões tinham a pintura que derivava da AeroMéxico, apenas trocando os nomes das empresas aéreas.
Em 1994, o ex-PP-SOV, DC-10-30 da VASP, foi para a AeroPerú antes de ir para a Canadian Pacific Airlines, mantendo as cores básicas da empresa canadense.

A parceria com os mexicanos permitiu que a AeroPerú recebesse os Boeing 727-200 e Boeing 757-200 a partir de 1994, padronizando a frota com os 727 e 757, além dos Fokker 28 que se mantinham nos voos regionais. A aliança entre as empresas aéreas foi denominada Alas de América, com a coordenação de voos entre as empresas. Um outro acordo, menos abrangente, foi fechado com a SAETA do Equador, denominado Alas Andinas.
O que parecia indicar uma estabilidade para a AeroPerú acabou frustrada em 02 de outubro de 1996 quando o Boeing 757-200 N52AW caiu logo após decolar de Lima para Santiago, vitimando todos os 70 ocupantes. A causa do acidente foi o tamponamento, por fita de proteção, dos pitots do 757.
Por ser prateada, a fita confundia com a fuselagem metálica do avião, e os pitots não forneceram as informações precisas para a tripulação. O acidente manchou a reputação da AeroPerú e a empresa teve que pagar US$ 70 milhões em indenização.
E as políticas neoliberais de Fujimori afetaram a AeroPerú no que era o cerne de sua operação: a ligação como os Estados Unidos, através da política de céus abertos (Open Skies). Descapitalizada, a AeroPerú tinha que enfrentar as empresas americanas, as locais representadas pela AeroContinente e as da América do Sul, como a LAN Chile, que voava Santiago-Lima-Miami com o Boeing 767-300ER e anunciava planos de uma subsidiária local, a LAN Perú.

Em 1998, a empresa comemorou o jubileu de prata da empresa e houve a reorganização societária da AeroPerú, com a Delta Airlines assumindo 35% da empresa e a CINTRA, holding que era proprietária da AeroMéxico e Mexicana, ficando com os 35% restantes. Os Fokker 28 eram finalmente aposentados e a frota ficou organizada em jatos 727-100, 727-200 e dois 757-200, além de três 737-200 ex-British Airways que chegaram naquele ano e com uma nova pintura, mais sóbria em relação às outras aeronaves. Havia planos de ter uma frota de turboélices BAe Jetstream 31 em Chiclayo para atender as rotas regionais.
Porém, os planos não foram para frente devido à piora da situação da empresa e a recusa dos acionistas em injetar mais capital. Deste modo, em 10 de março de 1999 a AeroPerú paralisou suas atividades, com dívidas de US$ 174 milhões e ativos de US$ 50 milhões.
Uma tentativa de vender a empresa para a Continental Airlines e American Airlines foi fracassada e no dia 18 de agosto a AeroPerú foi liquidada, encerrando assim 26 anos de operações. As rotas internacionais foram assumidas pela AeroContinente e LAN Perú.

Posteriormente, o colapso da AeroContinente, a estabilidade política, o boom da commodities e a boa gestão da LAN Chile, fizeram que a LAN Perú se desenvolvesse ao ponto de transformar em um dos centros de voos mais importantes do grupo, às vezes até superando Santiago e hoje sendo um dos três principais hubs internacionais da LATAM.