Falida em 2002, Transbrasil ainda “vive” nos tribunais

Há exatos 62 anos, companhia aérea brasileira era fundada como Sadia Transportes Aéreos, mas até hoje sua falência repercute na Justiça
Boeing 767-200 da Transbrasil pousando em Nova York: expansão no exterior não salvou a empresa (Torsten Maiwald/Wikimedia)
Boeing 767-200 da Transbrasil pousando em Nova York: expansão no exterior não salvou a empresa (Torsten Maiwald/Wikimedia)

Foi num dia 5 de janeiro como este, mas há 62 anos, que o empresário Omar Fontana, filho do fundador do frigorífico Sadia, criou a companhia aérea que viria a ser conhecida como Transbrasil. A empresa foi uma das mais admiradas do setor até falir em 2002, pouco tempo depois que Fontana faleceu. Mas, apesar de passados 15 anos desde sua falência, a Transbrasil continua “viva” na Justiça, uma amostra clara de como as leis no Brasil são cheias de meandros e percalços que em vez de resolver situações jurídicas acabam gerando outros problemas maiores.

Embora seja pouco provável que a falência seja um dia revertida, os advogados da massa falida seguem ativos em disputas com credores e funcionários, como mostra um recurso julgado em outubro do ano passado pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesse caso, um funcionário questionava os direitos trabalhistas devidos pela empresa aérea.

A lentidão da Justiça e os variados recursos disponíveis na legislação brasileira acabaram gerando situações inusitadas como a que manteve por anos os aviões não só da Transbrasil como da VASP, também falida, entre outras empresas, parados e apodrecendo a céu aberto em diversos aeroportos do país. Um patrimônio que virou sucata por inépcia e falta de bom senso.

Os pioneiros Boeing 767-200 da Transbrasil, trazidos ao país no início da década de 80, por exemplo,  foram leiloados em 2013, ou seja, mais de uma década após a falência da empresa. Mesmo assim, eles continuaram parados no aeroporto por mais alguns anos até que um deles, o PT-TAC, deveria ter virado um restaurante, mas seguia parado à beira de uma estrada em Taguatinga, cidade vizinha à Brasília – dois outros permanecem em pedaços no aeroporto brasiliense.

Nesses 15 anos desde o fim da empresa, que parou de voar no fim de 2001, não faltaram tentativas de ressuscitar a companhia – ou pelo menos recuperar parte do prejuízo. Uma delas foi considerar o pedido de falência, feito pela empresa GE, responsável pela produção e manutenção de motores a jato, como indevido. Segundo os advogados da Transbrasil, a companhia americana teria utilizado uma nota promissória para executar a falência que havia sido quitada. O processo se arrastou até 2013 quando o STJ isentou a GE de pagar uma multa de R$ 400 milhões à época após julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A situação lembra os embates familiares pelo espólio de parentes falecidos. A diferença é que os “restos mortais” dessas empresas permanecem expostos, deteriorando a olhos vistos. Exemplo mais claro disso é a sede da VASP no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Tanto o prédio administrativo como sua área de hangares de manutenção estão se decompondo há anos sem que haja uma solução para um situação tão ridícula – a exceção é um prédio do setor de cargas que foi alugado para uma loja de construção recentemente.

Arco-íris

O purgatório da Transbrasil em nada remete aos seus quase 47 anos de operação. Famosa pelos aviões coloridos, a companhia teve uma carreira luminosa e inesperada para quem havia surgido a princípio para transportar carnes dos frigoríficos do grupo Sadia com um único Douglas DC-3. Pouco mais de um ano depois, a Sadia Transportes Aéreos começou a levar passageiros de Santa Catarina para São Paulo, dando início a uma expansão constante para outras cidades do Brasil.

Foi na década de 70 que a companhia aérea deu seus primeiros passos mais ambiciosos. Em 1970 chegaram os primeiros jatos ingleses BAC One-Eleven, cada qual com um tom de pintura. Três anos depois, Fontana alterou o nome da empresa para Transbrasil Linhas Aéreas e adquiriu um então pouco conhecido turbo-hélice nacional, o Bandeirante, fabricado pela novata Embraer.

Mas foi a partir da chegada dos primeiros Boeing 727-100 que a Transbrasil passou a ser uma empresa mais conhecida no país. Em frota, só ficava atrás da Varig e da Vasp e logo no início dos anos 80 deu um passo ousado ao encomendas três Boeing 767-200, o primeiro widebody de dois motores da fabricante americana. Mais modernos jatos registrados no país, os 767 realizavam voos no Brasil, mas também charters para Orlando e outros destinos no exterior – na época, a Varig detinha um monopólio injustificável das rotas internacionais.

Na mesma época, a empresa passou a adotar um esquema de pintura de seus aviões os tornaria inesquecíveis: uma fuselagem branca com a inscrição “Transbrasil” abaixo das janelas e uma cauda com um arco-íris estilizado. Nos primeiros aviões, havia ainda a pintura das asas em tons diferentes para manter a ligação com a pintura original, esquema que acabou descontinuado anos depois.

Apogeu e queda

Com a abertura do mercado de aviação nos anos 90, a Transbrasil logo se prontificou a oferecer voos internacionais. Com a introdução dos 767-300, maiores e mais econômicos e ampliação da frota de 767-200 por leasing, a companhia aérea estreou uma série de destinos como Nova York, Miami, Londres e Amsterdã, mas também cidades com menos demanda como Washington e Viena.

A frota de 727-100 acabou sendo substituída pelo 737-300 e também alguns 737-400, além de velhos Boeing 707 usados em voos cargueiros por alguns anos – e que causaram um dos poucos acidentes graves nas proximidades do Aeroporto de Guarulhos, em 1989. A Transbrasil acabou fiel à Boeing a ponto de chegar a anunciar a compra de aviões 757 e também do 777 antes mesmo da Varig. Nenhum deles acabou sendo utilizado pela companhia.

Outra frente de batalha foi a ponte aérea Rio-São Paulo, onde tinha uma pequena participação na época do pool com Varig e VASP. Em 1992, após a aposentadoria dos Electras, as três introduziram seus 737-300 no trecho, dando início a uma verdadeira concorrência na rota mais importante do país.

Parecia que a década de 90 seria um marco na história da empresa, porém, o que começou com esperança terminou com pessimismo. O advento dos voos diretos ao centro (VDC) que deram força às companhias regionais, e o avanço da TAM entre os clientes corporativos na mesma época acabaram expondo a falta de eficiência das grandes companhias, incluindo a Transbrasil. As rotas internacionais, que pareciam a salvação por gerarem caixa em dólar, não salvaram a empresa que também passava por problemas de gestão nas mãos de Antonio Celso Cipriani, genro de Omar Fontana, que havia assumido a empresa com o afastamento do fundador por problemas médicos. Nem mesmo a criação da regional Interbrasil STAR e um novo esquema de identidade visual (que reestilizou a pintura do arco-íris) surtiu efeito.

Em 2000, a Transbrasil passou a ter um acordo operacional com a TAM após boatos de que esta a compraria. Era o início do fim, agravado pelo falecimento de Omar Fontana em dezembro desse mesmo ano. Em 2001, com poucos voos sendo operados, a companhia definhou até suspender suas operações em dezembro. Com dívidas milionárias, a Transbrasil acabou entrando em falência em abril de 2002, encerrando um dos capítulos mais belos da aviação comercial brasileira. E que não merecia um fim como esse.

Veja também: Dez anos do início do fim da Varig

O primeiro 767 da Transbrasil (PT-TAA) virando sucata em Brasília: história esquecida (Aeroprints.com/Wikimedia)

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  1. Interessante a história da empresa. Aqui em Brasília, é possível ver os antigos aviões apodrecendo à céu aberto ao se taxiar pra pista. Muito triste realmente.

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