Thereza, Anésia e Ada: as mulheres pioneiras da aviação brasileira

Se hoje ainda é difícil encontrar uma mulher pilotando avião, nos primórdios da aviação a situação era ainda mais complicada
As pioneiras da aviação brasileira: Thereza de Marzo, Anésia Pinheiro Machado e Ada Rogato
As pioneiras da aviação brasileira: Thereza de Marzo, Anésia Pinheiro Machado e Ada Rogato

A presença das mulheres na aviação brasileira ainda é pequena. Elas representam apenas cerca de 3%. Se hoje ainda é difícil encontrar uma mulher pilotando avião, nos primórdios da aviação a situação era ainda mais complicada. Tanto é que Thereza de Marzo, a primeira aviadora brasileira, acabou proibida de voar pelo próprio instrutor de voo depois que ele virou seu marido.

Outras duas mulheres reconhecidas com pioneiras da aviação brasileira, por outro lado, tiveram melhor sorte e conseguiram seguir a carreira por muitos e muitos anos. Anésia Pinheiro Machado só não foi a primeira a brasileira a ter um brevê por questão de um dia. Mas sua carreira seguiu firme por mais de 30 anos.

A mais famosa das três pioneiras surgiu apenas 14 anos mais tarde. Os feitos de Ada Rogato para a aviação brasileira foram tão importantes que seu velório recebeu até a apresentação da Esquadrilha da Fumaça.

Conheça a história das três mulheres que foram pioneiras da aviação brasileira:

Thereza de Marzo

O Brasil tem duas grandes pioneiras da aviação. Thereza de Marzo e Anésia Pinheiro Machado realizaram o voo solo no mesmo dia, em 17 de março de 1922. Thereza, no entanto, é considerada oficialmente a primeira piloto mulher brasileira. É que ela recebeu sua licença apenas um dia antes de Anésia.

Thereza de Marzo somou pouco mais de 300 horas de voo em quatro anos até seu marido proibi-la de voar (Domínio Público)

Apesar da paixão pela aviação e do pioneirismo no Brasil, Thereza de Marzo sofreu do mesmo mal que costumava acometer as mulheres no início do século passado. O machismo acabou com os seus sonhos e com sua carreira de aviadora. Lamentavelmente, o responsável por esse fim triste foi justamente um de seus instrutores de voo.

Os desafios de Thereza começaram já em casa. Seu pai, o italiano Alfonso de Marzo, no início não permitiu que a filha fizesse aulas para pilotar avião. Thereza teve de contar com o apoio da mãe, a também italiana Maria Riparullo, para conseguir entrar no cockpit de uma aeronave.

Thereza de Marzo voava em um avião francês Caudron G-3, inicialmente sob as instruções dos irmãos italianos Enrico e João Robba e do alemão Fritz Roesler. A sua formação levou um ano, do primeiro voo até receber o brevê número 76, emitido pela Fédération Aeronautique Internacionale e reconhecido pela Aeroclube do Brasil, em 8 de abril de 1922.

A carreira da pioneira da aviação brasileira durou pouco mais de quatro anos. Em 25 de setembro 1926, Thereza de Marzo se casou com o antigo instrutor alemão. Enquanto era solteira, Roesler incentivava a carreira de aviadora de Thereza. Após o casamento, porém, o alemão a proibiu de continuar voando. “Depois que nos casamos, ele cortou-me as asas. Disse que bastava um aviador na família”, afirmou Thereza.

No curto período em que ocupou o comando de um cockpit, Thereza fez pouco mais de 300 horas de voo. Seu maior reconhecimento veio em 1976, quando foi condecorada com a Ordem do Mérito Aeronáutico. Thereza de Marzo morreu em 9 de fevereiro de 1986, aos 82 anos de idade.

Anésia Pinheiro Machado

Apesar de ter feito o voo solo no mesmo dia de Thereza de Marzo, o brevê de Anésia Pinheiro Machado foi emitido um dia depois, em 9 de abril de 1922, e recebeu o número de registro 77. Anésia, no entanto, é até mais conhecida que Thereza, já que voou por mais de 30 anos. Morreu em 10 de maio de 1999, aos 94 anos de idade.

Anésia diante do avião em que realizou o voo entre São Paulo e Rio de Janeiro, em 1922 (Domínio Público)

Nesse período, realizou voos importantes que entraram para a história da aviação brasileira. Apenas cinco meses após obter sua licença de piloto, realizou o primeiro voo interestadual entre São Paulo e Rio de Janeiro. A viagem durou quatro dias, já que ela podia voar somente uma hora e meia entre as paradas para reabastecimento e manutenção.

Ao chegar ao Rio de Janeiro, Anésia foi recepcionada por ninguém menos que Alberto Santos Dumont. O inventor do avião deu a ela uma medalha de ouro, réplica de uma condecoração que havia recebido da princesa Isabel.

A brasileira se especializou mesmo em voos de longo distância. O maior deles ocorreu a bordo de um avião monomotor Kian-Navion Super 260. A viagem ocorreu em 1951 entre Nova York (Estados Unidos) e o Rio de Janeiro e percorreu 17 mil quilômetros. No mesmo ano, ainda sobrevoou a cordilheira dos andes, em uma viagem de Santiago (Chile) a Mendoza (Argentina).

Na aviação comercial, chegou a trabalhar na brasileira Panair e até na norte-americana Pan Am. Nas duas empresas, atuou como instrutora de voo.

Anésia nos EUA em 1948, já instrutora de voo, dá instruções ao piloto júnior da Pan Am (Domínio Público)

Anésia Pinheiro Machado trabalhou a vida inteira para incentivar a presença feminina na aviação. Fez parte da Ninety-Nines: International Organization of Women Pilots, organização de mulheres pilotos criada por Amelia Earhart. Na Conferência de Istambul, na Turquia, a Federação Aeronáutica Internacional (FAI) a proclamou como Decana Mundial da Aviação Feminina por ter o brevê mais antigo do mundo ainda em atividade.

Ada Rogato

Terceira mulher a obter uma licença de piloto de avião, Ada Rogato é talvez a mais famosa delas. Depois de obter seu brevê em 1936, 14 anos após as pioneiras Thereza de Marzo e Anésia Pinheiro Machado ela também foi a primeira mulher a pilotar um planador no país, a primeira paraquedista do Brasil e também a primeira piloto agrícola.

Ada Rogato obteu seu brevê em 1936; em seu voo mais longo, percorreu mais de 51.000 km (Domínio Público)

Ada Rogato gostava de grandes desafios, e foi assim que se tornou a primeira mulher a cruzar a Cordilheira dos Andes em um voo solitário e a primeira a chegar ao aeroporto de La Paz, na Bolívia, o mais alto do mundo naquela época.

Ada também realizou feitos que nem os homens haviam conseguido até então, como cruzar a floresta amazônica sozinha a bordo de um pequeno avião, sem rádio para comunicação e orientando-se somente pela bússola. Em seu voo mais longo, percorreu mais de 51 mil quilômetros até chegar ao Alasca, nos Estados Unidos.

Uma de suas missões mais importantes ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. A aviadora realizou mais de 200 voos de patrulhamento pelo litoral paulista. Também foi convidada pelas autoridades paulistas para ajudar no combate à praga da broca-do-café, quando tornou-se pioneira na aviação agrícola.

O Cessna 140A “Brasil”, com o qual Ada voou pela cordilheira dos Andes, no museu da TAM (Thiago Vinholes)

Ada Rogato recebeu diversas homenagens durante sua vida. Ela foi a primeira mulher a receber a Comenda Nacional de Mérito Aeronáutico e o título da Força Aérea Brasileira de Piloto Honoris Causa.

Em seus últimos anos de vida, dedicou-se ao Museu de Aeronáutica de São Paulo, que funcionava no Parque Ibirapuera, na capital. Foi lá que o corpo de Ada Rogato foi velado após sua morte por câncer em 1986, quando tinha 75 anos. A Esquadrilha da Fumaça sobrevoou o local para uma última homenagem.

Veja mais: O homem que reinventou o avião no Brasil

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