Até onde vai a falta de ética da imprensa sobre o acidente do ATR 72 da VoePass?

Grandes veículos de imprensa têm feito “investigações” por conta própria e vazado informações na ânsia por audiência, ignorando o devido tempo para que as causas sejam apuradas pelo Cenipa

ATR 72 da VoePass
ATR 72 da VoePass

O acidente com o ATR 72 de matrícula PS-VPB, da VoePass, ocorrido na sexta-feira, 9, e que vitimou os 62 ocupantes, causou comoção e perplexidade na população brasileira.

Os diversos vídeos mostrando o turboélice em queda na região de Vinhedo, no interior de São Paulo, rodaram o mundo, trazendo tristeza e incredulidade. E também fazendo surgir questionamentos sobre o que levou a aeronave a entrar em um parafuso chato, sem sustentação para manter o voo com destino a Guarulhos.

A despeito da dor e da necessidade de esclarecer as causas do acidente, fato é que o processo de investigação é exclusivo do Cenipa, o órgão da Força Aérea Brasileira (FAB) encarregado de apurar as causas de acidentes aéreos no país.

O ATR 72 já sem controle pouco antes de cair
O ATR 72 já sem controle pouco antes de cair

E os investigadores precisam de 30 dias para divulgar um relatório preliminar ao público, a fim de analisar com a devida responsabilidade os meandros do episódio. E mais tempo para chegar à conclusão final do que ocorreu.

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Mas parte da grande imprensa tem feito uma cobertura do caso que ultrapassa os limites da ética jornalística ao “atropelar” fatos e informações na ânsia por audiência.

Teorias aos montes

Desde as primeiras horas após o acidente se sucedem artigos e reportagens tentando “resolver o mistério”, seja com teorias sobre formação de gelo nas superfícies de controle, seja ao atribuir à VoePass problemas operacionais e administrativos ou falta de manutenção nas aeronaves, entre outros.

Não se trata de algo inédito, é verdade. Quando do Fokker 100 da TAM caiu no Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo, várias alegações surgiram como a que dizia que os pilotos teriam tido tempo e discernimento para “desviar o avião de uma escola” enquanto lutavam para entender o que ocorria em manter o jato em voo.

Como é sabido, acidentes como o do ATR 72 não ocorrem por uma causa isolada. Há uma série de eventos que leva a uma situação como essa e tentar adivinhar as causas, seja para confortar seu público ou aproveitar o calor do assunto, é algo que soa irresponsável.

O PT-MRK, Fokker 100 que se acidentou há 20 anos (foto: Rémi Dallot)
O PT-MRK, Fokker 100 que se acidentou em 1996 também foi alvo de teorias variadas antes da conclusão da investigação (foto: Rémi Dallot)

Para piorar o que já era aterrador, o Jornal Nacional, da TV Globo, alegou ter acesso ao áudio da cabine, extraído do Gravador de Voz (uma das caixas pretas).

A FAB negou que qualquer veículo de imprensa tenha tido acesso ao conteúdo extraído desses equipamentos, o que é o esperado.

Ainda assim, se houve vazamento e editores chegaram à conclusão que divulgá-los sem o devido contexto era algo justificável, então estamos vivendo uma triste época em que princípios e valores sobre integridade foram jogados no lixo.

Este site divulgou o acidente e fez uma lista de outros episódios com o ATR 72 para contextualizar o histórico da aeronave, que tem mais de 1.700 unidades entregues e realiza centenas de voos todos os dias de forma segura em todo o mundo. E foi só.

Voltaremos a abordar o acidente quando o Cenipa divulgar o relatório oficial e assim comentar sobre fatos investigados e analisados por especialistas.

Até lá o sensato é conter a ansiedade (e o desejo de audiência para alguns) e aguardar o trabalho da FAB. O resto é apenas especulação.

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