“Clone” indiano do Embraer CBA-123, NAL Saras volta a voar

Aeronave desenvolvida na Índia segue a mesma fórmula do antigo projeto da Embraer, com motores turbo-hélice montados na posição “pusher”
O primeiro voo do Saras reformulado durou cerca de 40 minutos (Tarmak007)
O primeiro voo do Saras reformulado durou cerca de 40 minutos (Tarmak007)

Um projeto perto de completar 30 anos está em fase de renascimento na Índia. O Saras, avião com motores turbo-hélice desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Aeronáutica (NAL – National Aerospace Laboratories), voltou a voar na última quarta-feira (24), em Bangalore. Esse foi o primeiro voo da aeronave desde 2013, cujo desenvolvimento havia sido suspenso.

Segundo o fabricante, o voo do novo Saras, comandado por três tripulantes da força aérea indiana (dois pilotos e um engenheiro de voo), durou cerca de 40 minutos e contou até com a escolta de jatos militares (modelos HAL Kiran), que acompanharam o teste colhendo dados de telemetria. A NAL ainda divulgou que a aeronave alcançou 270 km/h e 2.600 metros de altitude durante o ensaio.

Para voltar aos céus, o Saras precisou passar por uma série de modificações, concentradas especialmente em melhorar seus sistemas de controle de voo (aviônicos). Uma falha no design dos controles da aeronave associado a um procedimento incorreto testado pela tripulação foi o que causou o acidente fatal com um dos protótipos da aeronave, em 2009. Na ocasião, os pilotos avaliavam o religamento de um dos motores em voo seguindo as especificações dos projetistas, processo que não foi bem sucedido e levou a rápida perda de altitude do avião até sua queda em Bidadi, a cerca de 30 km da sede da NAL em Bangalore.

A fabricante indiana também modificou a capacidade de passageiros prevista para o Saras, reduzida de 19 para 14 ocupantes. O avião desenvolvido pela NAL tem como objetivo atender a aviação regional na Índia, sobretudo em aeroportos com pouca estrutura. A aeronave é projetada para operar em pistas com menos de 1 km de comprimento – o Saras requer 670 metros de pista para decolar e 900 m para o pouso.

Que motor é esse?

O que mais chama atenção no NAL Saras é a curiosa forma como seus motores turbo-hélice são instalados na fuselagem. Essa fórmula, com as hélices dos motores voltadas para trás, é conhecida como “pusher”, que em português pode ser interpretado como “empurrador”. Apesar de não ser novidade (o 14-Bis de Santos Dumont tinha essa concepção), é um conceito pouco aplicado na indústria aeronáutica e que nunca foi usado na aviação comercial.

O fabricante que chegou mais perto de lançar um avião comercial com essas características foi a Embraer, com o CBA-123 Vector desenvolvido em parceria com a FMA (atual FAdeA), da Argentina. Qualquer semelhança do NAL Saras com projeto argentino-brasileiro, porém, é mera coincidência.

A sigla CBA 123 significa "Cooperação Brasil-Argentina"; Vector seria o substituto do Bandeirante (Embraer)
A sigla CBA 123 significa “Cooperação Brasil-Argentina”; Vector seria o substituto do Bandeirante (Embraer)

Tanto o CBA-123 como o Saras foram concebidos no final dos anos 1980. O avião da Embraer/FMA, projetado a partir de 1986, voou pela primeira vez em 1990 e viveu um momento de grande expectativa até a reviravolta com o aumento drástico nos preços dos combustíveis, fato que tornou o avião inviável para o mercado. Já o projeto indiano, iniciado em 1989, enfrentou uma série de problemas e o voo inaugural da aeronave foi realizado somente em maio de 2004.

Na época de sua apresentação, o CBA-123 foi descrito como um avião à frente de seu tempo. A concepção dos motores pusher é considerada uma das tendências para a aviação no futuro, oferecendo uma forma de voar mais rápido com aviões turbo-hélice e consumindo menos combustível. Sem a Embraer pelo caminho, agora o NAL Saras tem uma nova chance de provar os benefícios dessa tecnologia na aviação comercial.

A nova versão do Saras recebeu uma série de modificações, sobretudo nos controles de voo (NAL)
A nova versão do Saras recebeu uma série de modificações, sobretudo nos controles de voo (NAL)

De acordo com o fabricante, o Saras é projetado para voar a 550 km/h, embora possa chegar perto dos 700 km/h. Já seu alcance com 14 passageiros é estimado em cerca de 1.200 km.

Muitas pedras pelo caminho

Os projetistas do NAL Saras não vem tendo vida fácil no decorrer do programa. Os primeiros estudos sobre a aeronave foram propostos em 1989 e sua construção iniciada três anos depois, em parceria com o governo da Rússia, que participavam do projeto por meio da Myasishchev, fabricante que na época trabalhava em um projeto similar, o também bimotor pusher Duet.

A ajuda russa, porém, durou pouco e Moscou logo cortou o financiamento, tanto para o Saras, como para o Myasishchev Duet. A partir deste ponto, o projeto da NAL passou a caminhar a pequenos passos, até que em 1998 o avião, que ainda não havia voado, sofreu um duro golpe: os Estados Unidos aplicaram uma série de sanções econômicas contra a Índia em represália a um teste nuclear realizado pelo país na região de Pokhran, próximo a fronteira com o Paquistão.

A Rússia também testou um avião comercial pusher, o Myasishchev Duet
A Rússia também testou um avião comercial pusher, o Myasishchev Duet-Saras (royfc)

Proibida de importar componentes para o Sara, a NAL diminiu ainda mais o ritmo de desenvolvimento da aeronave e seu primeiro voo aconteceu somente em 2004, quase 20 anos após o início do projeto. Nos anos seguintes, a fabricante se concentrou em reduzir o peso do avião, que não poderia passar de 5.000 kg (vazio).

O processo de redução de peso rendeu ao Saras avanços como asas construídas de material composto e a fuselagem com ligas mais leves. Em três anos, o avião perdeu cerca de 900 kg e estacionou em 4.116 kg. Totalmente abastecido e com passageiros, a aeronave era desenhada para decolar com peso máximo de 7.100 kg.

A primeira versão do Saras foi concebida para transportar 19 passageiros, mesma capacidade do CBA-123 (johnxxx84)
A primeira versão do Saras foi concebida para transportar 19 passageiros, mesma capacidade do CBA-123 (johnxxx84)

Em 2009, o programa sofre mais um golpe, desta vez fatal com o acidente do protótipo número 2, que matou três tripulantes. A investigação apontou falhas no projeto da aeronave. Apesar da tragédia, o Saras continuou sendo testado até 2013, quando foi suspenso.

O retorno do Saras foi anunciado pela NAL em fevereiro de 2017, mas a fabricante ainda não apontou nenhuma previsão para sua estreia. Até o momento, o único potencial comprador do bimotor é a força aérea da Índia, que planeja adquirir 15 unidades da aeronave para usar no treinamento de pilotos de aviões de transporte – a NAL acredita que exista demanda para cerca de 350 unidades do turbo-hélice a serem aplicados na aviação regional do país.

Veja mais: O museu que virou cemitério de aviões

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  1. Vale a pena mencionar outro projeto da década de 80, o italiano Piaggio Avanti, .es.o conceito de motorização porém com fixação nas asas e capacidade de 9 pax, foram produzidos mais de 200, pesa menos de 4 mil kg, voa em cruzeiro a 732 km/h com um teto max de 41 mil pés porém com alcance MTOW de 732 km. O Avanti é reconhecido por ser mais rápido do que outros turboélices e muitos jatos de médio porte, com uma eficiência em torno de 40% no consumo de combustível em relação aos concorrentes a jato.

  2. Controles de voo e aviônicos são duas coisas totalmente diferentes. Controle de voo são as superfícieis que literalmente controlam o avião (aileron, produndor, flaps, spoilers, lemes, etc…) e aviônica é um termo genérico que engloba toda a instrumentação de bordo. E temos também outro projeto pusher avançadíssimo, do Burt Rutan e produzido pela Beechcraft para a aviação executiva, o Starship.

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