Falta de transparência tem ajudado companhias aéreas a cobrar mais pela sua viagem
Sob o pretexto de oferecer um serviço específico para cada passageiro, empresas têm buscado cobrar por qualquer coisa que se traduza em menos sofrimento durante o voo


Tudo começou com o serviço de bordo. Sob o pretexto de reduzir o preço da passagem, as companhias aéreas resolveram “desembarcar” o lanchinho e as bebidas de seus aviões. No máximo a gloriosa barrinha de cereal, um biscotinho ou, para algumas delas, apenas água como “cortesia”. Quem não quisesse passar fome a bordo que pagasse pelos sanduíches “gourmet” (ao menos no nome).
No ano passado foi a vez das bagagens. Com o argumento de que a franquia privilegiava passageiros que viajavam carregados as empresas resolveram retirar o serviço, limitando cada passageiro a uma mala de mão. Novamente, os que precisassem de mais espaço no avião deveriam pagar uma taxa extra. A promessa? Passagens mais baratas e justas. No entanto, o tempo passou e o custo de voar continua alto e subindo, embora as empresas aéreas tentem justificar isso com o aumento dos seus custos.
Nos últimos meses a estratégia de copiar as empresas aéreas low-cost do exterior ganhou seu mais recente episódio com a decisão de cobrar pela marcação antecipada de assento na aeronave. Em outras palavras, caso você não queira gastar mais vai ter seu lugar sorteado na cabine de passageiros (e correr o risco de viajar na temida poltrona do meio).
Nesta semana, o Senado brasileiro aprovou uma lei que proíbe a prática, mas que ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e finalmente por sanção do presidente para vigorar. Com ela, as companhias não só estão proibidas de cobrar pela escolha como podem receber multas se não cumprirem a regra.
As companhias aéreas por meio da ABEAR, sua associação de classe, têm rebatido essa visão assim como a própria ANAC, que costuma defender as mudanças sob o argumento de que são práticas mundiais e que tornam o serviço mais transparente. No entanto, a sensação é justamente a contrária: quanto mais complicam o que era algo natural e previsto no contrato de transporte aéreo mais as empresas têm encontrado formas de tornar a compra de um bilhete aéreo algo obscuro e imprevisível.
A falta de transparência é tão grande que na Inglaterra a CAA (órgão equivalente à ANAC) promoveu uma investigação entre as companhias aéreas do país por suspeita de que elas estariam separando propositadamente passageiros que voavam em grupo justamente para forçar a cobrança pela marcação do assento. Segundo um levantamento, nada menos que 18% das pessoas que viajavam em companhia de outra pessoa acabaram em lugares distantes.
É claro que as empresas podem cobrar por um assento com melhores características como já o fazem em lugares na primeira fileira, por exemplo, mas atualmente elas têm um trunfo imbatível nas mãos, o algoritmo que rege a ocupação dos voos e a cobrança de tarifas.

Leilão às escuras
Desde que passaram a trabalhar dessa forma as empresas aéreas tornaram o ato de comprar um bilhete aéreo um tormento. O fato é que não existe uma regra a ser seguida: antecipar a compra, que poderia ser algo positivo afinal você está garantindo para a empresa uma receita prévia de um serviço que só será executado muito depois, não é certeza de bom preço. Ao contrário, muitas vezes uma pesquisa de um voo para março de 2019 pode sair mais caro que o mesmo trajeto em setembro deste ano.
Com essa “confusão”, os clientes acabam impelidos a fechar negócio o quanto antes caso não queiram se arriscar a esperar até próximo do voo. E mesmo para quem só tem poucos dias para fechar negócio a situação é horrível. Um voo que pela manhã custa R$ 1000 pode muito bem dobrar de preço à tarde.
A marcação de assentos possui o mesmo “calcanhar de aquiles” para o passageiro. Como não sabe exatamente os lugares disponíveis, o cliente fica a mercê da companhia que pode (embora certamente neguem) trabalhar com esse fator para estimular a venda do serviço. A diferença é que, ao contrário do bilhete em si, o assento já está comprado quando somos confrontados com esse dilema.
É verdade que a tática de pressão psicológica existe em outros setores – quem não se deparou com alguma mensagem de “últimos lugares à venda”? – mas isso não significa que a compra de uma passagem aérea não possa ser um ato mais planejado.
Em tese, para uma companhia aérea ou qualquer outro serviço que depende de preencher lugares para se tornar viável é preciso garantir um número mínimo de vendas, o chamado “break-even point“, em outra palavras o ponto onde aquele voo passará a ser lucrativo. Se há grande procura por um destino em determinado período, a companhia encherá seu avião muito cedo e poderia oferecer voos extras para dar conta da demanda. Mas na prática o que se vê é que hoje é possível conseguir lugares muito próximo da data da viagem, tudo por conta do sistema de leilão criado pelos algoritmos.
Ou seja, muitas vezes vale a pena bloquear alguns assentos para vendê-los em cima da hora para clientes geralmente corporativos e assim aumentar a margem de lucro. É do jogo, claro, mas demonstra que a alegada preocupação em tornar mais justo o preço da passagem ao retirar antigos benefícios não se sustenta.

Voando de pé no futuro?
Para corroborar essa tese basta lembrarmos da estratégia de preços oferecida por quase todas as companhias aéreas em voos para o exterior. Viajar num voo sem escalas geralmente é mais caro que fazer uma ou duas escalas, mas deveria ser o contrário. Levar um ser humano dentro de um avião amplia o consumo de combustível, o grande vilão do custo das companhias, mas isso parece não refletir no bolso delas ao nos sugerir que é mais barato ficar várias horas extras voando para destinos que não são o nosso.
Como elas não fazem isso por caridade é de se supor que o preço cobrado por uma viagem entre, por exemplo, Rio de Janeiro e Paris, mas com escala em Frankfurt, mesmo sendo mais barato que a rota direta, ainda assim gera algum lucro para a empresa. Que dirá então o voo sem escalas.
O advento das companhias aéreas low-cost trouxe grande parte dessas novidades desagradáveis ao público. É preciso constatar, no entanto, que a aviação comercial já não vive do glamour do passado quando havia mimos para os passageiros e tripulantes de sobra para atendê-los. De fato, os custos no transporte aéreo são altos a ponto de certos jatos comerciais deixarem de ser rentáveis dependendo do preço do petróleo.
Nada disso, no entanto, significa que as companhias aéreas devem ter “carta branca” para criar dificuldades para seus clientes a fim de convencê-los a gastar mais pelo serviço. Corremos o risco de logo vermos propostas absurdas como a da Ryanair que cogitou transportar passageiros em pé dentro dos aviões virarem realidade sob o pretexto de reduzirem o preço da passagem.
Veja também: Como comprar passagens aéreas por preço mais em conta
