Operação Black Buck completa 40 anos

As incursões dos bombardeiros Avro Vulcan na Guerra das Malvinas/Falklands marcaram uma das etapas mais perigosas do conflito em 1982
O Avro Vulcan durante a Guerra das Malvinas (RAF)

Em 1º de maio de 1982, durante o Guerra das Malvinas/Falklands, a Força Aérea Real (Royal Air Force) iniciou uma série de missões de bombardeio de longo alcance usando bombardeiros Vulcan, baseados em Waddington. Essas missões ficaram conhecidas como Operação Black Buck.

Cada missão decolou com dois bombardeiros Vulcan e até 11 aviões-tanque Victor. Os Victors deveriam fornecer reabastecimento aérep enquanto o segundo Vulcan estava lá como reserva em caso de problemas com o bombardeiro primário após a decolagem.

A primeira missão partiu do campo de aviação de Wideawake, nas Ilhas Ascensão, no meio do Oceano Atlântico, na noite de 30 de abril de 1982 e levou aproximadamente 16 horas para ser concluída, viajando quase 12.200 km. Pouco depois da decolagem, no entanto, o Vulcan primário teve problemas e teve que retornar, o que significava que a aeronave reserva, pilotada por Martin Withers, teria de assumir a tarefa.

Depois de viajar mais de 5.500 km e com 14 reabastecimentos aéreos (sete deles para o bombardeiro), o Vulcan chegou a Port Stanley em 1º de maio de 1982 e lançou 21 bombas de 1.000 libras com uma das bombas causando danos à pista.

A RAF realizou sete missões Black Buck no total, embora apenas cinco tenham sido concluídas, mas o sucesso delas significou que as forças britânicas tinham capacidade de penetrar as defesas aéreas argentinas com os bombardeiros Vulcan.

Além de prevenir ou reduzir o uso de jatos supersônicos em Port Stanley,  as missões tiveram o intuito de convencer os argentinos a não arriscar manter suas aeronaves nas ilhas, já que poderiam ser destruídas enquanto estivessem no solo.

Além disso, a então Primeira Ministra Margaret Thatcher deixou no ar a possibilidade de que a Argentina pudesse ser uma ameaça aos bombardeios do Vulcan. Isso levou as forças argentinas a retirarem seus Mirage IIIs das operações sobre as ilhas para protegê-las no continente, dando assim aos Harriers de ataque ao solo britânicos um espaço aéreo mais seguro.

Black Buck: mais de 6 mil km e vários reabastecimentos para chegar às Malvinas
Black Buck: mais de 6 mil km e vários reabastecimentos para chegar às Malvinas

Relatos dos pilotos

Em 1º de maio de 1982, um audacioso plano da RAF se concretizou e se tornou, na época, a missão de bombardeio mais longa da história – e também com uma enorme dose de sorte.

“Era muito importante colocar a pista de Port Stanley fora de ação”, disse o ex-piloto de Vulcan Martin Withers, agora com 76 anos. “Se os A-4 Skyhawks pudessem reabastecer em Stanley, os argentinos poderiam tê-los usado como base operacional avançada para voar e atingir nossos navios”, explicou.

“Por volta das 23h do dia 30 de abril, decolamos da Ascensão pontualmente e com intervalos de um minuto. Estava com força total e no escuro, sem chamadas de rádio. Lembrei-me de que apenas três semanas antes nos disseram que iríamos entrar em conflito no Atlântico Sul”.

Negar o uso da pista do aeródromo de Port Stanley para jatos de combate argentinos era uma prioridade para proteger a frota do Reino Unido de ataques aéreos. A única aeronave da RAF adequada para realizar uma missão de tão longo alcance às Ilhas Malvinas foi o Avro Vulcan, um bombardeiro nuclear ultrapassado da Guerra Fria.

Apenas uma bomba atingiu a pista em Puerto Argentino, o suficiente para inutilizá-la para jatos (RAF)
Apenas uma bomba atingiu a pista em Puerto Argentino, o suficiente para inutilizá-la para jatos (RAF)

No início de abril de 1982, o tenente de voo Martin Withers, um piloto do bombardeiro, foi informado de que ele e tripulações selecionadas eram necessárias para a “Operação Corporate”, a campanha para retomar as Ilhas Malvinas. Eles passaram por um treinamento de última hora em reabastecimento aéreo e técnicas convencionais de bombardeio e depois voaram para a Ilha da Ascensão.

Ele estava no décimo terceiro avião a decolar da Ascensão, um dos bombardeiros “sobressalentes” – o Vulcan XM607. Martin e a tripulação esperavam apenas um voo de quatro horas como aeronave reserva antes de retornar à Ascensão, mas em poucos minutos houve uma falha na vedação pressurizada da janela primária do Vulcan e ela teve que voltar.

“De repente, percebemos que éramos aqueles que deveriam voar até o fim e bombardear o aeródromo de Stanley. Isso foi um pouco chocante para nós, mas estávamos preparados, tínhamos feito todos os briefings e o treinamento. Uma coisa boa foi que tínhamos um instrutor de reabastecimento, Dick Russell, sentado conosco na aeronave no assento do co-piloto”.

O plano era que os aviões-tanque Victor, um “primo” do Vulcan, reabastecessem uns aos outros enquanto abasteciam o Vulcan. Desconhecido para Martin, um dos Victor quebrou uma sonda de combustível durante o reabastecimento em clima instável, causando uma falha na cadeia de combustível. A missão corria o risco de fracassar.

“O reabastecimento estava indo bem para mim, mas o não sabíamos que as coisas estavam dando errado com os Victors, e o Vulcan estava consumindo mais combustível do que o planejado. Nós não sabíamos, mas os Victors estavam voltando para Ascensão com muito pouco combustível e só no final da viagem, tendo voado por cerca de sete horas, quando descobrimos que o avião-tanque que deveria dar nosso combustível não tinha nem de longe o suficiente para nos permitir percorrer todo o caminho, fazer o bombardeio e retornar ao encontro com outros navios-tanque e nos levar para casa”.

O último avião-tanque, pilotado por Bob Tuxford, teve que solicitar outro Victor em Ascensão para encontrá-lo para reabastecê-lo. Foram necessários 11 aviões-tanque e 15 transferências de combustível para colocar o Vulcan XM607 a uma curta distância.

“Estávamos a 45 minutos do alvo. Eu estava voando a 300 nós a cerca de 500 pés acima do mar. Eu podia ver o mar. Era uma noite de luar com muito pouca nuvem ao redor. Foi tudo muito irreal”.

Um bombardeiro Vulcan na Ilha de Ascensão (RAF)

Sob a mira de canhões

Martin desceu a aeronave até cerca de 100 metros enquanto se aproximava das ilhas. No entanto, ele estava tão baixo que o radar de navegação que a tripulação usou para lançar as bombas não estava conseguindo detectar a ilha à frente.

“Eu temia que perdêssemos a ilha, então subi um pouco e, quando o fiz, pudemos ouvir o radar argentino passando por cima de nós. Felizmente, também pudemos ver o terreno à frente agora e voltamos para uma altitude de 100 metros.

“À medida que nos aproximamos, comecei a subir até a altura de bombardeio de 10.000 pés para obter um ângulo preciso para bombardear. Podíamos ver o aeródromo que estava com as luzes acesas, então era bastante óbvio que não éramos esperados. A maior ameaça eram os canhões antiaéreos controlados por rádio Oerlikon 35mm e, quando nos aproximamos, registramos um bloqueio de um de seus radares. Isso poderia ter sido o fim para nós”.

Martin estava certo em temer as armas antiaéreas argentinas: os canhões gêmeos disparavam munição explosiva a uma taxa de 500 tiros por minuto. Eles tinham um enorme poder destrutivo e fariam um enorme estrago na fuselamge do bombardeiro.

“Tínhamos um pod de interferência que ligamos e o bloqueio do radar estava quebrado. Achamos que o operador ficou surpreso e não feliz no gatilho. Também estávamos transmitindo um código de identificação argentino que, creio, também o fez hesitar”.

“Quando chegamos no ponto de lançamento, o responsável pelas bombas encontrou as posições de mira e me deu as instruções finais. Concentrei-me em manter a velocidade e a altura corretas e, à medida que nos aproximamos, abrimos o compartimento de bombas e elas caíram automaticamente. Eu o segurei firme até que todas as bombas tivessem acabado, então fomos capazes de dar o fora de lá”.

Os aviões-tanque Victor, que anteriormente eram bombardeiros da série V (RAF)

Cinco das 21 bombas, cada uma pesando 1.000 libras, não explodiram com o impacto, mas das 16 restantes, uma delas atingiu o centro da pista de 50 metros de largura.

“Originalmente, planejamos escapar em nível baixo, caso algum caça viesse atrás de nós, mas como estávamos com pouco combustível, imediatamente subimos e viramos 180 graus e voltamos para o norte. Nosso sentimento inicial foi de “feliz por estar vivo” quando atingimos o alvo. Havíamos atacado com sucesso, mas não sabíamos se havíamos atingido a pista. Nós não teríamos apostado nisso. Estatisticamente, olhando para as médias de bombardeio, estimou-se que realmente precisávamos de 14 Vulcans para atingir aquela pista”.

O plano de ter dois aviões-tanque Victor para levá-los para casa foi reduzido a uma aeronave apenas, e como o Vulcan se atrasou, o ponto de encontro se estendeu mais ao sul.

“Estávamos com muito pouco combustível e quando vi o avião-tanque certamente não tínhamos o suficiente para desviar para a pista segura mais próxima no Rio de Janeiro. Mesmo o Nimrod que estava lá para nos ajudar com um possível resgate marítimo teve que voltar para a Ascensão porque estava com pouco combustível. Então, foi um alívio quando vi essa aeronave virando na minha frente com um céu azul brilhante atrás e a mangueira saindo atrás. Foi a visão mais bonita do mundo”.

Os pilotos do Vulcan (RAF)

Mesmo esse último reabastecimento não ocorreu sem problemas, pois uma conexão ruim fez com que o líquido altamente inflamável saísse da sonda e lavasse o pára-brisas do Vulcan.

“Ligamos os limpadores, mas ainda estávamos consumindo um pouco de combustível, então mantive minha posição. Eu não iria desistir e tentar novamente até que eu tivesse o suficiente para mais um terço da viagem. Então eu relaxei e voltei a conectar”.

Martin e a tripulação estavam de volta à Ascensão quando viram as fotografias aéreas no dia seguinte mostrando uma cratera no meio da pista do aeródromo. Ele foi premiado com a Cruz de Voo Distinto e a tripulação foi mencionada em relatórios enviados a Londres. O líder de esquadrão Bob Tuxford, o piloto do último avião-tanque Victor, também foi premiado com a Cruz da Força Aérea. Martin Withers deixou a RAF em 1991 como Líder de Esquadrão.

Texto adaptado do original publicado pela Royal Air Force nos 40 anos da Operação Black Buck.

Veja mais: Avro Vulcan, o gigante delta do Império Britânico

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  1. Muito boa a reportagem. São muito interessantes estas histórias sobre este conflito, inclusive com esses lances dramáticos como esse pouso no Rio de Janeiro.

  2. Creio que a Guerra das Malvinas foi um dos maiores erros estratégicos militares de todos os tempos por parte da Argentina.
    Como pode o Estado Maior de um país “achar” que não haveria reação dos ingleses? Que eles simplesmente se conformariam e ia ficar tudo bem?
    O segundo erro (ou primeiro) foi achar que o EUA ficariam ao lado dos hermanos. Será que os generais argentinos não sabem um pouquinho de História? Não verificaram que em todos os conflito do Séc. XX os EUA e a Inglaterra lutaram lado a lado?

  3. A Argentina não queria as Malvinas para si. O plano, era passar para membros nazistas o controle das ilhas.

  4. foi ai que com o jato britânico foi apreendido com ele um misseis com este misseis foi possível o Brasil copiar e fazer seu misseis contra radar aqui no Brasil…..

  5. Ola Thiago.

    Gostaria que você fizesse uma matéria sobre o avião da Luftwafe “Horten HO 229, aparece as vezes como GOTA 229, os norte-americanos fizeram uma réplica e colocaram em frente as sete tipos de radares e a replica ficou invisível aos mesmos, há extensa informações, fotos, filmagens no YT e na net. A matéria é extensa. Gostei muito de sua matéria sobre os Vulcans, tive o privilégio de vê-lo no Galeão em 1982, Moro na Ilha do Governador. Grato – Alfredo Greco

  6. Caro Alfredo,
    Muito obrigado pela audiência!
    O HO 229 é um dos meus aviões favoritos. Realmente, é uma máquina incrível e muito a frente de seu tempo. Fique tranquilo, essa pauta está em nossa lista e em breve devemos publicar a história desse modelo fantástico. grande abraço!

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