“Amor passageiro”: o que faz as companhias aéreas trocarem tanto de parceiros?

União da Gol com a Avianca e mudança de parceria da LATAM com a Delta em vez da American são exemplos de como na aviação os relacionamentos são volúveis

O "affair" American-LATAM-Delta (Ian Gratton/Victor/Airbus)

O enredo é digno de novela. Dois personagens que se detestam, resolvem ter um relacionamento, mas tempos depois, se separam em meio a trocas de acusações. Em outra trama, parceiros deixados no altar resolvem se unir para não viverem sozinhos. Parece gente, mas estamos falando de companhias aéreas.

O anúncio dos donos da Gol e da Avianca de criarem a holding Abra para gerir ambas (e outras empresas) é mais um capítulo do intenso “troca-troca” que se tornou comum no mercado de transporte aéreo.

Basta lembrar de um exemplo mais do que notório de que juras de amor nesse setor só valem até segunda ordem. O casamento da LATAM com a Delta em 2019 pegou o mercado de surpresa já que as duas tinham parcerias aparentemente sólidas com American Airlines e Gol, respectivamente. Abandonadas, as duas não pensaram duas vezes em “juntar os trapos”, como se diz.

União de grupos empresariais, aquisições e parcerias estratégicas ocorrem em qualquer indústria, mas na aviação comercial elas se multiplicam, às vezes criando emaranhados confusos, quando não de curta duração.

Receba notícias quentes sobre aviação em seu WhatsApp! Clique no link e siga o Canal do Airway.

Avianca e Gol pretendem formar nova ‘gigante da América Latina’ (Avianca / Gol)

Entre as razões para tamanha “promiscuidade” está a alegada pequena margem de lucro na venda de bilhetes aéreos. Tornar rotas financeiramente viáveis não parece ser uma tarefa fácil e os inúmeros fatores imprevísiveis tornam a tarefa desgastante. No Brasil, além das taxas aeroportuárias, o vilão é sempre o câmbio e, consequentemente os custos baseados nele, como o combustível. Além disso, temos a guerra do ICMS e outros impostos que desequilibram o jogo.

Sob um mesmo guarda-chuva, empresas podem dividir custos, otimizar setores e ter margem maior de negociação com fornecedores, além de eliminar rotas concorrentes, por exemplo.

Voltando ao exemplo da LATAM, o casamento duradouro entre a LAN e a TAM mostra como certas fusões não obedecem a lógica de mercado já que a empresa brasileira era bem maior que a chilena, mas numa situação financeira mais frágil.

Em busca de ganhos de eficiência, no entanto, grupos empresariais costumam fechar os olhos para diferenças de gestão e encarar alguns relacionamentos amargos.

A Azul e a LATAM deixaram de lado suas rusgas para se apoiarem durante os piores momentos da pandemia, mas logo que a situação começou a melhorar, as duas voltaram a se estranhar. Ainda mais quando a empresa de David Neeleman quis tomar a rival.

Spirit e Frontier: união dará origem à 5ª maior companhia aérea dos EUA

Assédio rejeitado

Mas não é fácil unir culturas diferentes sobretudo porque muitas dessas fusões ou parcerias surgem em momentos de aperto, quando deixa-se lado potenciais problemas em troca de alguma sinergia.

Veja o caso da união entre a Frontier e a Spirit, duas companhias aéreas de porte médio nos Estados Unidos. Separadas elas não incomodam, mas juntas passarão a ser o 5º maior grupo do setor. Foi o bastante para que a JetBlue, a atual 5ª no ranking, resolvesse tentar melar o casamento.

Para isso fez ofertas agressivas sobre a Spirit, a mais combalida delas, na tentativa de tomar o lugar da Frontier. Mas os laços das duas pequenas falou mais alto e o “assédio” acabou rejeitado.

A aviação comercial tem outro agravante, a pobreza de ativos das companhias aéreas. Ao contrário de fabricante de produtos de consumo, por exemplo, cujas patentes e expertise de produção falam alto em qualquer negociação – quando não a fidelidade do cliente a determinada marca -, as empresas aéreas têm pouco a oferecer. Suas rotas são concessões, a maior parte dos aviões, alugada, sem falar que fidelidade, com preços que variam ao sabor dos ventos, não pesa tanto nessas situações.

Em suma, uma empresa debilitada vale pouco e uma marca pode ser facilmente esquecida pelo consumidor se ele encontrar alternativa melhor e mais barata. Estão aí as gloriosas e históricas Pan Am e Varig para comprovar essa tese.

Ou seja, o jeito é fazer vista grossa para os defeitos do parceiro, buscar os pontos em comum e celebrar o matrimônio. E que ele seja eterno enquanto dure.

A extinta Pan Am, fundada pelo visionário Juan Trippe, foi o primeiro operador do 747 (Aldo Bidini/Creative Commons)
A mítica Pan Am: nome famoso não foi suficiente para mantê-la viva (Aldo Bidini/Creative Commons)