Il-86, o controvertido ‘Airbus russo’ cujo embarque era feito pelo porão
Primeiro widebody do país, quadrimotor da Ilyushin tinha soluções peculiares por conta da infraestrutura aeroportuária precária nos tempos da União Soviética

Imagine chegar à frente de um imenso jato para até 350 passageiros e ver escadas retráteis surgirem do porão da aeronave. Parece piada, mas existiu um avião assim, o Ilyushin Il-86.
O quadrimotor foi o primeiro widebody desenvolvido na União Soviética e teve pouco mais de 100 unidades produzidas entre 1976 e 1991, quando o bloco comunista pereceu.
Apesar disso, o Il-86 foi fundamental para ampliar o transporte aéreo no maior país em extensão territorial do mundo e que na época só operava aeronaves fabricadas internamente.
A Ilyushin, então criadora do bem sucedido Il-62, deu início ao desenvolvimento do Il-86 ainda na década de 60, quando o Ocidente já levava à frente programas importantes como o Boeing 747, McDonnel Douglas DC-10, Lockheed L-1011 TriStar e Airbus A300.

Motores gastões
O conceito de uma aeronave de passageiros com dois corredores deu origem à um jato de quatro motores com uma fuselagem de pouco mais de 6 metros de diâmetro.
Em vez de turbofans com alta razão de derivação, inexistentes na União Soviética na época, a Ilyushin acabou adotando o motor Kuznetsov NK-86, de pequeno diâmetro e alto consumo de combustível.
Isso limitou o alcance do novo jato para cerca de 5.000 km apenas, o que não era um grande problema já que o Il-86 acabaria sendo usado principalmente em rotas domésticas com demanda mais elevada.
Outra peculiaridade do Il-86 era a configuração dos assentos em três fileiras com três poltronas em vez de um esquema 2+4+2 como no DC-10 e o TriStar. Sem tecnologia avançada em aviônicos, a fabricante manteve a cabine de comando com quatro tripulantes.

Embarque pelo porão
O mais inusitado no Il-86, entretanto, era o embarque e desembarque, também feito por escadas retráteis no porão de carga.
Apesar de estranha, a solução tinha uma explicação bastante plausível. É que o Il-86 precisaria utilizar aeroportos com infraestrutura precária e para isso seria preciso não depender de escadas para acessar as portas no piso principal.
Além disso, a Ilyushin viu sentido numa estratégia de serviço curiosa, em que o passageiro levaria sua bagagem consigo para o avião e lá a colocaria em compartimentos inferiores.
A ideia era que isso agilizaria o embarque e desembarque, mas as empresas aéreas que tiveram o jato em suas frotas praticamente não colocaram o conceito em prática, considerado caótico.

Viagens de longo alcance
A despeito da pequena autonomia, o Il-86 acabou fazendo o papel de aeronave de longo alcance da Aeroflot e outras transportadoras russas, mesmo que obrigado a escalas técnicas pelo caminho para reabastecer.
O widebody foi presença constante em lugares bastante variados como Nova York, Rio de Janeiro e Buenos Aires até que autoridades de aviação civil do Ocidente determinassem restrições de ruído nos aeroportos e tornassem a visita do Il-86 impraticável.

Já nessa época, a Ilyushin tinha um substituto para o primeiro widebody russo, o Il-96, que aproveitava parte do projeto do Il-86 numa aeronave mais curta, porém, mais moderna.
Em vez de portas no porão, o Il-96 possuía asas de perfil crítico com winglets, motores PS-90 mais eficientes e sistema de voo fly-by-wire. Curiosamente, apenas três dezenas deles foram finalizados, bem menos do que seu exótico antecessor.
A essa altura, até a própria Aeroflot já havia resolvido encomendar aeronaves como o Boeing 777 e os Airbus A330 e A350, mais econômicos e confortáveis.