Incidente Tramandaí: a “guerra” da FAB contra a Marinha
Disputa pelo direito de operar aviões levou as duas forças militares do Brasil às vias de fato

Na última semana, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que daria ao Exército Brasileiro permissão para voltar a operar aeronaves de asa de fixa, e não apenas helicópteros. A decisão a favor da Força Terrestre, no entanto, teve repercussão negativa no alto comando da Força Aérea Brasileira (FAB) e acabou revogada três dias depois e o edital anterior foi restabelecido.
Essa recente disputa de interesses trouxe à tona novamente um embate entre as forças armadas brasileiras que já dura quase 80 anos. Após a criação da FAB, em 20 de janeiro de 1941, os corpos de aviação do Exército e da Marinha do Brasil (MB) foram dissolvidos e todo o inventário de aeronaves militares do Brasil nesse tempo foi transferido para a força aérea, que a partir daí teria exclusividade na operação de meios aéreos, incluindo atividades com aeronaves embarcadas.
O Exército acatou a decisão de transferir seus aviões para a FAB. Com a Marinha, porém, a situação foi bem diferente e o clima na força naval era de inconformidade.
Comandado pelo Almirante Guillobel, o Ministério da Marinha passou a estudar formas de reativar sua aviação. Em 4 de agosto de 1952, em comum acordo com o Ministro da Força Aérea, Nero Moura, e com presidente Getúlio Vargas, a MB recriou a Diretoria de Aeronáutica, extinta desde 1941. O primeiro passo, foi a criação da especialidade de Observador Naval (OAN) em 3 de dezembro de 1954, com o propósito de preparar oficiais para atuarem em aeronaves da FAB.
Mas isso ainda não era o suficiente para a Marinha. O desejo da força naval era ter novamente seus próprios aviões e adequados para suas missões. Em 1957, a MB iniciou os estudos para adquirir aeronaves e manteve contatos com a Marinha dos EUA, com o intuito de enviar um grupo de oficiais brasileiros para o curso de piloto naval naquele país.
Nesse meio tempo, o governo brasileiro negociava a compra do porta-aviões britânico HMS Vengeance (posteriormente batizado como NAeL Minas Gerais). Dias após a aquisição da embarcação, em 1956, a Marinha do Brasil fechou um contrato para adquirir dois helicópteros Westland Widgeon (versão britânica do Sikorsky Dragonfly).
Em 1960, enquanto o Minas Gerais era reformado Holanda, a Marinha passou então a avaliar a compra de aeronaves de asa fixa para operar a bordo do navio aeródromo, mesmo não tendo o respaldo do governo e do Ministério da Aeronáutica. Dois anos depois, em total sigilo, a MB comprou seis monomotores Pilatus P.3 para instrução e um lote com seis aviões navais operacionais North American T-28 Trojan.

A aquisição, transporte e o desembarque dessas aeronaves no Brasil até hoje são cercados de mistérios e nunca foram totalmente esclarecidos. Passado esse episódio, a FAB passou a acompanhar de perto todas as negociações da Marinha.
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