Especial: Mitos e verdades sobre acidentes aéreos
Comoção popular, desconhecimento do assunto e precipitação costumam criar lendas após quedas de aviões. Veja o que é realidade nesses casos


No acidente que vitimou o então candidato a presidente pelo PSB, o pernambucano Eduardo Campos, uma entrevista da TV Globo com um morador que teria testemunhado a queda e disse ter visto o corpo do político serve como um alerta sobre as lendas que costumam acompanhar eventos dramáticos como esse. Tempos depois, o entrevistado foi desmascarado, mas não sem antes provocar confusão num momento tão delicado.
Diante da dramaticidade e comoção que os acidentes aéreos causam, é comum as pessoas criarem ilusões e situações que estão distantes da realidade. E isso acaba entrando no imaginário geral como verdades. Airway desmistifica algumas dessas afirmações e, com a ajuda do diretor de Segurança e Operações de Voo da ABEAR (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), o comandante Ronaldo Jenkins, explica o que são na realidade. Confira:
1 – “Vi o avião explodindo no céu!”
Sempre que um acidente aéreo de grandes proporções ocorre, alguém vem com a afirmação dramática de que o aparelho virou uma bola de fogo no ar. Trata-se de algo raríssimo afinal em situações normais, aviões não viram bombas voadoras. Um motor pode se incendiar e deixar um rastro de fumaça, mas daí a provocar uma explosão é puro exagero. “Aeronaves não se incendeiam com facilidade, pois seus tanques têm uma série de proteções, exigências do processo de homologação“, explica o comandante Ronaldo Jenkins.
Quando estão na fase da decolagem e subida, afinal estão com o máximo de combustível, existe um aumento de possibilidade de fogo caso haja algum vazamento, como foi o caso do acidente com o Concorde, em Paris, mesmo assim ele não explodiu no ar. Na queda no solo nessas condições, aí sim surgirá uma bola de fogo, mas nem sempre em todos os casos. Quando há um problema mecânico ou mesmo uma falha humana é mais provável que o avião caia como um objeto descontrolado apenas.

2 – “O piloto é um herói: tentou desviar o avião de uma escola!”
Esse foi um mantra repetido a exaustão na época da queda do Fokker 100 da TAM, em São Paulo. O jato decolou de Congonhas numa manhã de outubro de 1996 e caiu minutos depois numa rua residencial próxima a uma escola. Bastou algum repórter mostrar esse fato para que teses surgissem, defendendo a bravura do piloto que ainda teve tempo de evitar um acidente mais grave. Pura balela: ocupados em tentar fazer o jato continuar voando, nenhum dos pilotos sequer teve condições de escolher onde o avião cairia. Se pudessem fazer isso, teriam evitado a queda.
Além do mais, a velocidade envolvida não permitiria sequer que eles houvessem identificado detalhes das edificações. Claro que há situações com um mínimo de condições de comando em que o piloto pode fazer alguma escolha difícil, mas nesse momento de stress é difícil acreditar que haveria tempo para um raciocínio tão nobre em meio a decisões tomadas em segundos.

3 – “O raio derrubou o avião”
Outra lenda é acreditar que um raio pode derrubar um jato de centenas de toneladas. Aviões são condutores de eletricidade e recebem descargas elétricas sem que isso prejudique as condições de voo, quanto menos darem choque em ocupantes. São situações para serem evitadas, porém, não são a causa de um acidente.

4 – “Os motores pararam e o avião despencou do ar”
Aviões não são como pedras voadoras. Todo e qualquer avião de asa fixa possui uma razão de planeio, ou seja, um cálculo que determina qual distância ele consegue planar sem propulsão alguma. Segundo o diretor da ABEAR, “Aeronaves bimotoras são homologadas para voar com a perda de um dos motores e as quadrimotoras com a perda de até dois deles. A parada de um motor em condições de voo normal não sequer considerada uma emergência, mas sim uma operação anormal“.
Planadores, por exemplo, podem voar indefinidamente caso encontrem térmicas, áreas onde o ar quente em suspensão os mantém em voo como ocorre com aves como o urubu. Mesmo sem elas, um avião pode voar por quilômetros, dependendo da altitude em que se encontra. Desde que esteja íntegro, um avião não cairá como uma pedra após os motores pararem. Mesmo helicópteros, tendo velocidade ou altura, no momento da falha do motor, conseguem planar apenas com a rotação natural de seus rotores, que são as asas do helicóptero.

5 – “Vi a asa desmontando antes do problema surgir”
Qualquer alerta de pouso de emergência pode causar reações de pânico nos passageiros. Um dos aspectos que assustam pessoas leigas são as partes móveis das asas. Para voar com mais eficácia, um avião moderno possui várias peças auxiliares nas asas como flaps, slats e spoilers, além dos ailerons, peças que são usadas para alterar a direção do aparelho. Certos flaps, por exemplo, são tão grandes que quando totalmente abertos para um pouso é possível ver partes internas das asas bem como “buracos” que certamente assustam os menos avisados.
“Flaps e slats, ao contário do que possa parecer, são dispositivos de hipersustentação e permitem que a aeronave voe com baixa velocidade em segurança“, lembra Jenkins.

6 – “O avião estava vazando na ponta da asa”
Se um avião precisa pousar em emergência e está com o tanque cheio é normal que a tripulação despeje parte desse combustível, geralmente no mar. Como o combustível é armazenado em sua maioria nas asas não é absurdo dizer que ele realmente “vaza”, mas nem sempre essa visão da janela signifique isso. Em dias com umidade do ar elevada é comum ver uma esteira saindo da ponta das asas ou outras partes pontiagudas. São os vórtices de ar causados pela condensação da umidade. Eles parecem, de fato, com algo líquido, mas não passam de ar concentrado.

7 – “O avião sacudiu tanto com a turbulência que parecia que ia desmontar”
Turbulências são fenômenos comuns e que devem ser evitados ao máximo possível numa rota, mas eles, normalmente não são capazes de derrubar um avião. Antes de mais nada, hoje há previsões meteorológicas mais precisas que impedem que aeronaves voem em direção aos cúmulus-nimbus, os chamados “CB’s”, tipo de nuvem onde há turbulências mais violentas. No entanto, é comum encontrar regiões com turbulência em céu claro, mas, desde que os passageiros estejam com o cinto atado, a chance de ferimento é pequena.
Ainda assim, há alguns casos na história, como a do A330 da Air France que, embora não derrubado diretamente pela turbulência, foi afetado por ela. “Dependendo da intensidade da turbulência, do que está associado a ela, e do tamanho do avião, existem raríssimos casos em que isso possa ter ocorrido“, conclui Jenkins.
Ilustrações: Airway
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