Sob risco de naufrágio, casco do porta-aviões São Paulo é afastado do litoral brasileiro

Marinha afirma que o casco do ex-NAe São Paulo sofreu uma severa degradação das condições de flutuabilidade e estabilidade

O NAe São Paulo chegou ao Brasil em 2001; o navio foi construído na França entre 1957 e 1960 (Marinha do Brasil)
O NAe São Paulo chegou ao Brasil em 2001; o navio foi construído na França entre 1957 e 1960 (Marinha do Brasil)

A Marinha do Brasil (MB), por meio da Autoridade Marítima Brasileira (AMB), determinou nesta sexta-feira (20) que o rebocador conectado ao casco do ex-porta-aviões NAe São Paulo seja afastado da costa brasileira, para uma região de maior profundidade em alto mar. O comboio encontra-se na altura do litoral do Pernambuco, fora da Mar Territorial.

Em nota, a Marinha informou que a AMB realizou uma inspeção pericial no casco, na qual foi constatada “uma severa degradação das condições de flutuabilidade e estabilidade”.

Dada as condições que o casco se encontra, o comboio não está autorizado a aproximar-se de águas interiores e terminais portuários, “em face do elevado risco que representa, com possibilidade de encalhe, afundamento ou interdição do canal de acesso a porto nacional”, alerta a MB.

De acordo com a instituição naval, a medida de afastar o comboio para águas profundas visa “garantir a segurança da navegação e a prevenção da poluição ambiental na costa brasileira e seus portos”. O rebocador de bandeira holandesa Alp Guard conectado ao casco do ex-navio aeródromo é acompanhado pela Fragata União e o Navio de Apoio Oceânico Purus.

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O NAe São Paulo deixando o Rio de Janeiro, em 4 de agosto de 2022 (AIRWAY)

O comunicado da Marinha cita ainda que a empresa Sök Denizcilik Tic Sti (Sök), proprietária do casco, não adotou as providências necessárias para a manutenção do mesmo em segurança na área marítima indicada, situada a 24 milhas náuticas (24 km) da costa brasileira.

Além disso, a Marinha diz que o casco não possui cobertura do Seguro P&I (Protection and Indemnity – proteção e indenização), tampouco contrato para atracação e reparo, ambos de responsabilidade da Sök. A MB acrescenta, ainda, que houve interrupção do pagamento à empresa contratada para realizar o reboque desde o mês de novembro de 2022.

A Sök ainda não se pronunciou sobre a medida imposta pela MB.

Entenda o imbróglio

Conforme publicado em primeira mão pelo AIRWAY, o casco do ex-porta-aviões São Paulo foi arrematado em março de 2021 por R$ 10,5 milhões pelo estaleiro turco de reciclagem de embarcações Sök. Em agosto do ano passado, o navio desativado deixou o Rio de Janeiro, onde ficava estacionado, rumo a Turquia.

No entanto, temendo pela suposta presença de grande quantidade de amianto no casco do barco, o ministério do meio ambiente da Turquia barrou a entrada da antiga embarcação em suas águas territoriais. Quando essa proibição foi levantada, o comboio estava próximo de atravessar o Estreito de Gibraltar, que dá acesso ao Mar Mediterrâneo. Logo em seguida, o Ibama pediu o retorno do casco ao Brasil para a realização de uma nova inspeção de materiais tóxicos.

Apesar da ordem do Ibama, nenhum porto ou estaleiro brasileiro autorizou o atracamento do casco em suas instalações. Desta forma, o casco rebocado navega em círculos na altura do litoral do Pernambuco desde outubro de 2022.

Casco pode ser abandonado em alto mar

Em 11 de janeiro, a MSK Maritime Services & Trading, empresa que adquiriu o casco do NAe São Paulo junto a Sök, renunciou a propriedade da sucata da embarcação a favor da União.

Em carta de advertência enviada ao Ibama e demais autoridades ambientais do Brasil, a NSN Law Firm, representante da MSK, estipulou um prazo de 12 horas (que não foi atendido) para que as autoridades brasileiras providenciassem as aprovações e/ou ações necessárias para receber o casco do barco, que navega rebocado sem destino há mais de 90 dias.

O não cumprimento da solicitação poderia resultar na “disposição do casco do porta-aviões” em alto mar, com todas as responsabilidades posteriores sendo das autoridades brasileiras, informou a MSK na ocasião.

Maior navio de guerra do Brasil

O navio-aeródromo São Paulo chegou às mãos da Marinha do Brasil no ano 2000, comprado da França por US$ 12 milhões durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O navio foi o substituto do NAeL Minas Gerais, que operou no Brasil entre 1960 e 2001.

O porta-aviões NAe São Paulo não realiza operações navais desde 2011
Caças AF-1 alinhados no convés de voo do NAe São Paulo (Marinha do Brasil)

O NAe São Paulo chegou ao Brasil em 2001; o navio foi construído na França entre 1957 e 1960 (Marinha do Brasil)Quando ainda estava ativo, o São Paulo era o porta-aviões mais antigo do mundo em operação. A embarcação foi lançada ao mar em 1960 e serviu com a marinha da França com o nome FS Foch, de 1963 até 2000. Sob a identidade francesa, o navio de 32,8 mil toneladas e 265 metros de comprimento atuou em frentes de combate na África, Oriente Médio e na Europa.

Com a Marinha do Brasil, no entanto, a embarcação teve uma carreira curta e bastante conturbada, marcada por uma série de problemas mecânicos e acidentes. Por esses percalços, o navio passou mais tempo parado do que navegando. Em fevereiro de 2017, após desistir de atualizar o porta-aviões, o comando naval decidiu desativar o NAe São Paulo em definitivo.

Segundo dados da marinha brasileira, o São Paulo permaneceu um total de 206 dias no mar, navegou por 54.024,6 milhas (85.334 km) e realizou 566 catapultagens de aeronaves. A principal aeronave operada na embarcação foi o caça naval AF-1, designação nacional para o McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, hoje operados a partir de bases terrestres.

Porta-aviões gêmeo, Clemenceau passou por situação parecida

O Clemenceau, irmão do Foch, que foi desmantelado no Reino Unido entre 2009 e 2010, teria cerca de 760 toneladas da substância retirada de seu casco.

Desativado em 1997, o porta-aviões foi vendido para uma empresa espanhola em 2003, que pretendia desmontá-lo também na Turquia, mas a França cancelou o acordo.

Dois anos depois, o governo francês tentou levá-lo para a Índia, onde outro porta-aviões brasileiro, o Minas Gerais, foi desmontado sem quaisquer cuidados.

A tentativa foi frustrada pelo Egito, que impediu que o Clemenceau passasse pelo Canal de Suez. Após discussões prolongadas, a França decidiu trazer o navio de volta. Em 2008, finalmente o porta-aviões seguiu para Hartlepool, no norte da Inglaterra, onde a empresa Able UK o desmontou.

O porta-aviões Clemenceau (R98), irmão gêmeo do São Paulo, em Brest em 2008 (Duch.gege)