Airbus Perlan 2, o escalador da estratosfera

Planador recordista em altitude voa na fronteira com o espaço buscando novos aprendizados para a indústria aeronáutica e de olho nas mudanças climáticas do planeta
O projeto Perlan é a primeira iniciativa de engenharia para alcançar a estratosfera sem ajuda de um motor (Airbus)
O projeto Perlan é a primeira iniciativa de engenharia para alcançar a estratosfera sem ajuda de um motor (Airbus)
O projeto Perlan é a primeira iniciativa de engenharia para alcançar a estratosfera sem ajuda de um motor (Airbus)
O Perlan é a primeira iniciativa da aviação para alcançar a estratosfera sem usar um motor (Airbus)

A estratosfera não é mais um território exclusivo para foguetes ou aviões especiais com motores superpotentes. Pelo contrário, a fronteira do planeta Terra com o espaço agora pode ser alcançada, quem diria, por um planador, sem o auxílio de qualquer tipo de motor.

Considerado um dos projetos aeronáuticos mais notáveis da atualidade, o Perlan 2 da Airbus, planador recordista em altitude, é o uma aeronave construída para perseguir recordes e provar que é possível alcançar altitudes estratosféricas sem consumir uma única gota de combustível.

A convite da Airbus, o Airway viajou até El Calafate, na Patagônia argentina, onde o Perlan 2 vem sendo testado desde maio de 2016. Nessa região são encontradas algumas das melhores condições para o voo a vela no mundo, com uma combinação de fenômenos climáticos que literalmente empurram o planador para a faixa da estratosfera.

“A razão de estarmos aqui são as maiores ondas de montanha estratosféricas do mundo. Nós usamos essas ondas para escalar altitudes incríveis com um avião sem motor. A Argentina é um dos raros locais onde esse efeito pode ser encontrado”, explicou Ed Warnock, CEO do Projeto Perlan, empreitada iniciada em 1992 nos Estados Unidos.

A topografia da Patagônia à beira da Cordilheira dos Andes permite a formação de uma série de correntes ascendentes em diferentes camadas da atmosfera, além do fenômeno conhecido como “vórtice polar”, uma espécie de ciclone persistente localizado perto dos polos geográficos da Terra. “O planador literalmente ‘surfa’ nessas ondas”, contou o diretor do projeto, que desde 2014 tem o apoio da Airbus.

O Perlan 2 é construído quase que inteiramente com fibra de carbono (Thiago Vinholes)
O Perlan 2 é construído quase que inteiramente com fibra de carbono (Thiago Vinholes)

Motor pra quê?

O Perlan 2, em alguns detalhes, parece até uma nave espacial. Para livrar os pilotos da necessidade de vestir trajes pressurizados, como acontecia no Perlan 1, optou-se por pressurizar toda a cabine da aeronave, o que levou ao seu peculiar design com pequenas janelas circulares, em vez no canopi todo envidraçado, comum em planadores convencionais.

Mesmo com dimensões generosas, com 10 metros de comprimento e 25 m de envergadura de asas, o planador é extremamente leve: pesa apenas 573 kg. “Proporcionalmente, o Perlan 2 é a aeronave que mais utiliza fibra de carbono em sua construção que um dia já voou. Ao todo, 95% do aparelho é construído com esse material, que é muito leve e também resistente”, relatou Jim Payne, principal piloto do Perlan 2 e considerado o “Michael Jordan” do voo a vela nos EUA, como brincam seus companheiros no projeto.

Outra parte interessante da aeronave é sua área de superfície da asa, com 80,1 metros quadrados, espaço comparável ao de um apartamento com dois dormitórios. “A asa do Perlan 2 é um dos projetos mais avançados da história da aviação. Ela é concebida para sustentar o voo em altitudes elevadas e também resistir a altas velocidade, que na estratosfera, devido a baixa resistência do ar, chegam próximas dos 700 km/h, um número impressionante para um planador”, explica Payne.

Já a altitude que o Perlan 2 pode voar é assombrosa, sobretudo pelo fato dele não possuir qualquer tipo de propulsão. O modelo já voou a 52.172 pés (15.900 metros), a maior marca já registrada por um avião sem motor, alcançada pouco antes da publicação deste artigo. O objetivo do grupo, porém, é ainda mais elevado: alcançar 90.000 pés (27.400 m), faixa onde poucos aviões, todos motorizados, voaram.

Como comparação, um jato comercial voa a “apenas” a 35.000 pés (10.670 m). Acima do planador da Airbus aparecem somente aeronaves lendárias, como os modelos de espionagem U-2 Dragon Lady e SR-71 Blackbird.

O Perlan 2 foi projetado para alcançar até 90.000 pés de altitude (Thiago Perotti/Airway)
O Perlan 2 foi projetado para alcançar até 90.000 pés de altitude (Thiago Perotti)

Voando até o topo do planeta

Assim como qualquer outro planador, o Perlan 2 também precisa de um “empurrão” inicial para decolar, no caso um avião rebocador. Em El Calafate, o modelo da Airbus precisa ser rebocado a uma altitude de aproximadamente 5.000 pés, onde é liberado para o início do voo a vela.

Nessa faixa, a planador começa a subir com a ajuda de correntes térmicas ascendentes, resultado da circulação natural do ar mais quente que vem do solo. Já para ir além disso, é necessário “surfar” nas ondas estratosféricas, que nascem de ventos que “batem” e sobem pela Cordilheira dos Andes, e em seguida pegar uma carona no vórtice polar.

“Além da Patagônia, esse tipo de fenômeno também é registrado na região da Sibéria. No entanto, o frio e a neve nessa parte da Rússia dificulta muito os trabalhos em solo. Em El Calafate as condições são semelhantes, mas com uma temperatura mais confortável. Outro ponto positivo que encontramos por aqui é a comida, que é deliciosa”, brincou Morgan Sandercock, co-piloto do Perlan 2.

Quando voa pela estratosfera, a temperatura na cabine do Perlan 2 cai para cerca de -20°, por isso os pilotos precisam vestir trajes especiais, semelhantes aos usados por alpinistas (Thiago Vinholes)
Quando voa pela estratosfera, a temperatura na cabine do Perlan 2 cai para cerca de -20°, por isso os pilotos precisam vestir trajes especiais, semelhantes aos usados por alpinistas (Thiago Vinholes)

Mas voar alto assim não é perigoso? “O principal risco de voar pela estratosfera é enfrentar a forte turbulência causada por uma ‘break wave’. Assim como as ondas que quebram no mar, as ondas de ar nessa região também podem apresentar um efeito semelhante. De qualquer forma, se algo errado acontecer durante o voo, o planador conta com dois sistemas de paraquedas, que fream sua queda até a superfície”, acrescentou o co-piloto.

Durante os voos até a estratosfera, o Perlan 2 pode permanecer voando por cerca de seis horas. Esse é o tempo com margem de segurança que dura a carga das baterias da aeronave. “A eletricidade é essencial em nossos voos. Precisamos de energia para manter ativo o sistema de pressurização da cabine, além de alimentar os equipamentos de pesquisa que viajam a bordo”, concluiu Sandercock.

Projeto Perlan

O projeto Perlan foi iniciado em 1992 como uma organização sem fins lucrativos e totalmente idealizada por colaboradores, perfil que mantém até os dias atuais. Os resultados, porém, demoraram a surgir. Após diversos estudos, a aeronave construída pelo grupo começou a voar em 2002. Na tentativa de quebrar o recorde de altitude, o modelo foi testado nos céus da Califórnia e Nova Zelândia, mas sem obter êxito – naquela época o recorde era de 49.009 pés. Em 2006, desta vez em El Calafate, o planador alcançou a marca de 50.727 pés. Na ocasião, os pilotos Steve Fosset e Einar Enevoldson (foto acima) voaram vestindo trajes pressurizados fornecidos pela NASA, iguais aos utilizados por astronautas em missões espaciais.

Pesquisador estratosférico

O principal objetivo do Perlan 2 é pulverizar o recorde de altitude para aeronaves sem motores. A meta do grupo, apesar de já possuir a maior marca desse gênero, é alcançar 90.000 pés (27.430 m). Mas essa não é a única missão do planador patrocinado pela Airbus. Devido a suas características e desempenho, o aparelho vem sendo utilizado como plataforma para uma série de experimentos científicos na estratosfera.

“O Perlan 2 realiza experimentos sobre mudanças climáticas e deterioração da camada de ozônio. Por não utilização um motor, é possível colher amostras de ar em diferentes altitudes livres de qualquer contaminação oriunda da queima de combustível. Além disso, também é uma aeronave que pode trazer avanços sobre questões aerodinâmicas para o futuro da aviação, que caminha para altitudes cada vez mais elevadas”, explicou Paul Eremenko, diretor de tecnologia e inovação do grupo Airbus.

“Além de buscarmos o recorde de altitude, a Airbus passou a cooperar com o projeto Perlan pela inspiração. Precisamos dos melhores e mais brilhantes engenheiros aeronáuticos. Um estudo como esse tem o poder de inspirar e entusiasmar os estudantes”, completa Eremenko.

Rumo aos 100 mil pés

A temporada de testes com o Perlan 2 pela Patagônia termina em setembro deste ano e, em seguida, a aeronave será enviada de volta a base do grupo, em Minden, Nevada, nos EUA. A partir dos dados colhidos nos voos pela Argentina, que renderam um novo recorde a categoria, o planador será modificado e melhorado para, em uma próxima oportunidade, tentar atingir a ousada meta de 90.000 pés.

Mesmo ainda não tendo atingido esse objetivo, os responsáveis pelo estudo já sonham com o Perlan 3, um planador ainda mais avançado que deverá ser capaz de voar a 100.000 pés (30.500 m). “É um trabalho demorado e que ainda requer muitas descobertas e diversas etapas de desenvolvimento, mas tenho certeza que um dia vamos alcançar esse objetivo”, finalizou o diretor da Airbus.

*Viagem realizada a convite da Airbus.

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  1. Corrijam-me os experts, mas imagino que, se essa tecnologia for trazida e adaptada para aeronaves comerciais, no sentido de melhorar a sua sustentação. Será necessária menor potência para a aeronave voar. Tornando mesmo as aeronaves motorizadas mais econômicas e mais velozes.

  2. Augusto, não sou expert, nem estudioso em aerodinâmica, mas, realmente, estudos na área favorecem a aviação como um todo. Apesar de o voo planado ser diferente, com relação a formato da asa, por exemplo, o emprego de materiais mais leves sempre ajuda em outras áreas e aviações.
    Quanto a anvs motorizadas se tornarem mais econômicas e velozes, tais materiais mais leves tb ajudam, e, de resto, tb formato de asas, winglets e novos motores (com maior derivação, por exemplo). Como podemos ver nos novos 737 Max, no A350 e etc.
    Abraço.

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