No pior acidente da Varig, um cigarro derrubou um Boeing 707 em Paris

Boeing 707 da Varig caiu a apenas cinco quilômetros do aeroporto de Orly, nos arredores de Paris
Há 47 anos, a Varig registrou o pior acidente em sua história; tragédia matou
Há 47 anos, a Varig registrou o pior acidente em sua história; tragédia matou 123 pessoas

O dia 11 de julho de 1973 ficou marcado pelo pior acidente da história da Varig. O voo RG820 decolou do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, com destino final em Londres (Reino Unido) e uma escala em Paris (França). O voo nunca chegou ao seu destino final. O Boeing 707 caiu a apenas cinco quilômetros do aeroporto de Orly, nos arredores de Paris. Houve 123 mortes e 11 sobreviventes, sendo um passageiro e dez tripulantes.

Quando realizava as manobras de descida para pouso, os comissários de bordo detectaram um princípio de incêndio a bordo, que se iniciou no banheiro traseiro do Boeing 707. Momentos antes, algum dos 117 passageiros havia fumado um cigarro escondido no toalete traseiro e jogado a bituca, ainda acesa, no cesto de lixo.

Em contato com os papéis dentro do lixo, o cigarro causou um pequeno incêndio. O fogo consumiu parte da fiação do 707, gerando uma grande nuvem de fumaça tóxica a bordo do PP-VJZ da Varig.

Os comissários até tentaram conter o foco de incêndio. Sem sucesso, a fumaça se alastrava cada vez mais dentro do avião. Era uma fumaça extremamente tóxica, que foi a responsável por 122 das 123 mortes do Varig 820.

Pouso de emergência às cegas

Enquanto se aproximava para o pouso em Orly, o comandante Gilberto Araújo da Silva avisou ao controle de tráfego aéreo que havia uma emergência a bordo. Da torre de controle do aeroporto de Orly, os controladores podiam ver claramente que se tratava de um incêndio. O Varig 820 deixava um rastro de fumaça no céu de Paris.

Dentro da cabine do PP-VJZ, os pilotos tentavam desesperadamente manter o controle do avião pelos poucos minutos que restavam até o pouso em Orly. Quanto mais se aproximavam, porém, mais a fumaça preta invadia o cockpit.

Boeing 707 da Varig similar ao modelo que caiu na França (Perry Hoppe)

Enxergar os instrumentos ou mesmo respirar era cada vez mais difícil. Os pilotos colocaram suas máscaras de oxigênio, mas a fumaça tóxica tampava completamente os instrumentos. Em uma tentativa desesperada de melhorar o ar da cabine, os comandantes Gilberto e Antonio Fuzimoto chegaram a abrir as janelas do cockpit.

A ação teve pouco efeito. A fumaça continuava a invadir a cabine de comando do 707 até que o pânico se instalou de vez. Os comandantes tentavam manter a calma e pilotar o PP-VJZ até a pista de Orly, mas a situação estava cada vez mais insustentável.

Sem conseguir enxergar os instrumentos, os pilotos não sabiam exatamente a qual distância estavam do aeroporto. Com o real risco de todos morrerem intoxicados antes do pouso, não havia outra alternativa a não ser tentar um pouso nos campos franceses.

O 707 tocou o solo sobre uma plantação de cebolas a apenas cinco quilômetros da cabeceira 07 de Orly. A aeronave se arrastou por cerca de 600 metros antes de parar completamente. O pouso de emergência foi visto como uma manobra excepcional.

Apenas o mecânico de voo Carlos Diefenthaler Neto morreu por conta do impacto da queda. As outras 122 vítimas fatais do Varig 820 morreram por intoxicação.

Um único passageiro sobrevivente

Enquanto a tripulação agia para tentar apagar o fogo, a orientação aos passageiros era de que mantivessem a calma e permanecessem sentados, com os cintos afivelados.

Todos seguiram a orientação à risca e permaneceram em seus lugares. Apenas um passageiro resolveu desrespeitar a regra, se levantou e ficou na parte da frente do avião.

O então estudante de engenharia Ricardo Trajano, na época com 21 anos, foi também o único passageiro a sobreviver à queda do Varig 820. Os outros dez sobreviventes eram todos tripulantes do Varig 820.

Em entrevista recente à BBC, Trajano explicou como se salvou do Varig 820:

“Eu simplesmente desconectei o cinto e fui caminhando para a frente do avião. Eu já tinha visitado a cabine duas vezes, naquela época você podia fazer isso. Então, fui para a frente do avião. Todos os outros passageiros ficaram nos seus lugares. Eles devem ter pensado que eu estava indo ao outro banheiro lá na frente.

Os pilotos pousaram o jato em um campo, mas já a maioria dos passageiros já havia morrido de intoxicação

Quando cheguei lá, um comissário estava dizendo aos passageiros que ficassem tranquilos, que eles estavam resolvendo um problema lá atrás, e que todo mundo devia ficar onde estava, com os cintos afivelados. Quando ele me viu, me deu uma bronca. ‘Rapaz, o que você está fazendo aqui? Vai sentar no seu lugar, você não pode ficar aqui, em pé!’

E aí, por impulso, não sei o que foi, instinto, eu desobedeci o cara. Eu podia ter voltado. E se eu não tivesse feito essa transgressão, eu provavelmente não estaria aqui hoje.

Andei mais para a frente. Fiquei na divisória, aquela área que fica entre a cabine do piloto e a primeira classe. Tinha alguns comissários ali perto.”

Vendo o desespero da tripulação, ele se sentou no chão. Foi isso o que salvou a vida do então estudante. A fumaça tóxica vinha de cima para baixo. Com isso, o ar próximo ao chão era mais limpo.

Ao ser levado ao hospital, os médicos davam pouca esperança de sobrevivência a Trajano. As via aéreas e o pulmão estavam seriamente comprometidos. Foi necessário ficar 52 dias na UTI na França antes de ser transferido ao Brasil, onde ficou internado por mais um mês.

Segundo relato ao livro Caixa-preta, do escritor Ivan Sant’Anna, depois de recuperado, Trajano voltou à loja da Varig onde havia comprado sua passagem e disse a uma atendente: “No ano passado, eu comprei uma passagem para Londres, mas o avião caiu e não cheguei lá. Acho que tenho direito a outra.”

Capa do Jornal do Brasil no dia seguinte ao acidente do voo 820 em Paris

Comandante desapareceu no Pacífico

O comandante Gilberto Araújo da Silva foi condecorado pelo Ministério dos Transportes da República da França e considerado herói nacional francês. No Brasil, recebeu a Ordem do Mérito Aeronáutico. Depois de recuperado, seguiu voando pela Varig.

Cinco anos depois do acidente em Orly, o comandante Gilberto esteve envolvido em outro acidente. No dia 30 de janeiro de 1979, ele comandava o Boeing 707 cargueiro que fazia o voo Varig 967 a partir do aeroporto de Narita, em Tóquio (Japão), com destino ao Rio de Janeiro, com parada prevista em Los Angeles (EUA).

Cerca de 30 minutos após a decolagem, o Boeing 707 simplesmente desapareceu, e os controladores não conseguiram mais contato com os pilotos. Até hoje, o avião e os corpos dos tripulantes nunca foram encontrados.

Veja mais: Plano de ressuscitar o Fokker 100 incluía até fábrica no Brasil

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  1. Nesse acidente morreu Filinto Müller, senador e ex chefe da polícia política do Vargas e provavelmente o maior responsável prisão de Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes. Ela foi posteriormente extraditada para a Alemanha nazista, onde foi executada.

  2. Infelizmente também faleceu nesse voo, um grande cantor brasileiro com o nome ( Agostinho dos Santos ) . Uma grande perda para o Brasil. Eu por acaso tinha iniciado o emprego na VARIG no mês de fevereiro desse mesmo ano e, todos sentimos muito o acontecido.

  3. Me lembro muito bem desse acidente, eu tinha 16 anos. Me lembro também que a revista Manchete publicou muitas fotos a cores do interior do avião com os corpos carbonizados dos passageiros ainda em seus acentos com os cintos afivelados, incluindo o de Agostinho dos Santos, na época um cantor muito famoso e querido.

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