O museu que virou cemitério de aviões
Museu Eduardo André Matarazzo, em Bebedouro (SP), reúne peças únicas no Brasil e no mundo em condições precárias de conservação


Pátria de Alberto Santos Dumont, inventor do avião, o Brasil parece não dar importância ao seu pioneirismo, tanto que possui atualmente apenas dois museus sobre aviação abertos ao público. Um é o MUSAL, mantido pela Força Aérea Brasileira (FAB) no Rio de Janeiro, e o outro é o “Museu de Armas, Veículos e Máquinas Eduardo André Matarazzo”, em Bebedouro (SP). A atração no interior de São Paulo, reaberta no final de maio, porém, vive uma situação que beira o abandono, ao menos em sua parte mais reluzente, a de exposição de aeronaves.
O “Museu de Bebedouro”, como é popularmente conhecido, foi estabelecido em 1968 pelo empresário industrial Eduardo André Matarazzo, neto do conde Francisco Matarazzo, patriarca da multimilionária e influente família ítalo-brasileira, e filho de Francisco Matarazzo Júnior, administrador das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo.
O museu foi criado por vontade própria de Eduardo André em expor sua coleção de automóveis e maquinário industrial ao público. A primeira sede do acervo, aberta em 1964, ficava em São Paulo, no bairro no Brás. Porém, em pouco tempo, mais artigos foram adquiridos pelo colecionador e o galpão de exposição, instalado na rua Joli, ficou pequeno. Por sugestão de sua esposa, Eneida Matarazzo, cuja família era de Bebedouro, Eduardo transferiu os veículos para a cidade no interior, entre 1968 e 1970.
Após um longo e trabalhoso processo de mudança, tratado pessoalmente pelo colecionar, o museu foi reaberto oficialmente no dia 19 de julho de 1970. Entusiasmado com a nova sede, o Eduardo André decidiu incorporar aeronaves a coleção e em menos de 10 dias a nova sede em Bebedouro ganhou sua primeira “ave”, um Douglas DC-3, cedido pela Varig.

Com o passar dos anos na década 1970, o museu passou a receber uma infinidade de aeronaves. Foi nesse tempo que chegaram em Bebedouro peças raríssimas como o helicóptero Sikorsky S-51 Dragonfly, um conjunto de caças a jato, composto por um Lockheed AT-33 e dois Gloster Meteor, diversos monomotores, incluindo um Fairchild PT-19 doado pelo Ministério da Aeronáutica, um modelo Rearwin de 1938 e dois exemplares do North-American T-6, sendo um deles pertencente a primeira formação da Esquadrilha da Fumaça.
Entre as aeronaves de valor histórico imensurável na coleção, destaca-se o quadrimotor Douglas DC-6 da VASP, avião que transportou a Seleção Brasileira campeã da Copa de Mundo de 1958, na Suécia, e um Convair 240 da Varig, ambos únicos no Brasil. Mas a peça mais rara do museu é sem dúvida o bimotor Saab Scandia, um dos 18 modelos operados pela VASP e o último do mundo.
Aviões em estado precário
As aeronaves do Museu de Bebedouro ficam distribuídas em duas partes: as menores são guardadas no galpão, enquanto as maiores ficam na parte externa. A primeira parte da coleção, guardada em área coberta, ainda é mantida em boas condições, apesar de necessitarem de alguns reparos pontuais. Já os aviões expostos na área sem cobertura exigem cuidados especiais e com urgência.
“Desde a reabertura do museu, estamos buscando parcerias para recuperar as aeronaves. Já existe uma série de conversas nesses sentido, com pessoas oferecendo ajuda para restaurar e pintar os aviões. No entanto, ainda não há nada concreto”, contou Cristiano Caon, presidente do Esplendor Clube do Carro Antigo de Bebedouro, grupo que assumiu a administração do museu, ao Airway.

Com a morte de Eduardo André Matarazzo, em 2002, sua filha, Patrícia, ficou encarregada de administrar o museu. A atração, no entanto, sofreu um duro golpe em 2006, quando foi inundada após fortes chuvas na cidade e a coleção foi quase inteiramente danificada. Essa foi a segunda e mais grave enchente que atingiu o local, que é cortado por um córrego canalizado – a primeira aconteceu em 1986.
Desde a última inundação, o movimento de visitantes no museu diminuiu e os cuidados com o acervo praticamente cessaram. Sem verbas públicas para continuar funcionando e com a coleção na parte externa bastante deteriorada, Patrícia Matarazzo decidiu pela suspensão das atividades da atração no final de 2016. Neste ano, a herdeira passou o comando da coleção para os cuidados Esplendor Clube do Carro Antigo de Bebedouro e a prefeitura.

“Agora somos nós quem cuidamos da administração do museu e restauro da coleção, enquanto a prefeitura de Bebedouro ficou responsável pela parte de manutenção geral e segurança da instalação”, explicou Caon. “Também estamos trabalhando para transformar Bebedouro em estância turística, o que pode nos dar acesso a verbas federais para turismo.”
Devido ao descuido por muitos anos, árvores cresceram por todos os lados dos aviões, ameaçando cobri-los. Também assusta a situação dos cavaletes que sustentam as aeronaves, alguns já tombados, o que pode literalmente quebrar os modelos ao meio, e outros a ponto de cederem.
Os aviões expostos na ala externa do museu ainda mantêm uma grossa camada de sujeira – apenas o DC-6 foi lavado para a reabertura. As vistosas pinturas das companhias Varig e VASP e também da FAB que cobriam as aeronaves já foram ou estão sendo apagadas pelo exposição ao sol e chuva nos mais de 40 anos em que estão ali paradas – a coleção nunca foi restaurada.
A nova direção do museu contou à reportagem que há planos de construir uma área coberta para os aviões, mas não determinou nenhum prazo para isso. O presidente do Esplendor Clube também disse que em diversas oportunidades surgiram “propostas indecentes” de interessados em comprar peças do museu e retirá-las de Bebedouro, mas descartou completamente a possibilidade disso acontecer.

“Para tirar algum avião ou qualquer outra peça do museu, é preciso passar por cima de todos nós e de toda a população de Bebedouro. Já tentaram, mas não vamos deixar isso acontecer jamais”, afirmou Caon.
A preservação e restauração das aeronaves que contam a história da cultura aeronáutica brasileira, contudo, requerem enorme atenção da nova administração e também da prefeitura de Bebedouro. É preciso cuidar do acervo, antes que seja tarde demais. E esse momento não está longe.
Veja mais: Otto Lilienthal, o homem que ousou voar no século 19