Parceria Boeing-Embraer atende somente aos interesses dos EUA, alerta economista

Professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, Marcos Barbieri, diz que a operação atende somente aos interesses comerciais da Boeing

Boeing e Embraer: joint venture cancelada em 2020
Boeing e Embraer: joint venture cancelada em 2020 (Airway)
O acordo de parceria entre Boeing e Embraer deve ser consumado ainda no primeiro trimestre de 2020

Diante da iminente aprovação do acordo Boeing-Embraer pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômico), o professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcos Barbieri, alerta que a operação atende somente aos interesses comerciais da gigante norte-americana.

Na avaliação de Barbieri, a crise da Boeing agrava ainda mais as perspectivas deste acordo, dado que a principal atividade, não apenas da Embraer, mas do conjunto da indústria aeronáutica brasileira, será transferida para uma empresa que vem apresentando sérias deficiências técnicas, com resultados negativo sobre as vendas e, consequentemente, sobre a situação financeira da empresa. Veja a entrevista a seguir:

O sr. afirma que o acordo Boeing-Embraer é uma operação de aquisição (parcial), enquanto o acordo Airbus-Bombardier é uma joint-venture. Por que?

No caso do acordo entre a Airbus e Bombardier, esta última, junto com o governo de Quebec, sócio do programa CSeries, negociou em melhores termos para manter a capacidade de controle da empresa. A Bombardier manteve 49,9% de sua participação acionária no acordo comercial, enquanto a Airbus angariou 50,1%. No entanto, mais do que a proporção, o mais importante é como se dará o controle da operação. A companhia canadense terá sete pessoas em seu Conselho de Administração: do total, quatro indicações serão realizadas pela Airbus, duas pela própria Bombardier e uma pela província de Quebec. No caso brasileiro, entretanto, temos a seguinte situação: a Boeing passará a ser detentora de 80% da divisão Comercial da Embraer, que terá apenas um integrante no board – sem direito a voto.

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A Embraer seria capaz de sobreviver no mercado sem juntar-se à Boeing? 

Nos últimos anos, a Embraer lançou novas aeronaves nos três segmentos de mercado em que atua (Comercial, Executiva e Defesa e Segurança). Particularmente a nova família de jatos comerciais E2 e o novo avião de transporte militar KC-390 apresentam ótimas perspectivas de vendas – não por acaso, as aeronaves visadas pelo acordo com a Boeing. Com relação aos concorrentes da aviação comercial, observa-se que as aeronaves chinesas e russas, além de defasadas tecnologicamente, visam os respectivos mercados internos. Os japoneses estão enfrentando grandes dificuldades em tornar o MRJ (atual SpaceJet) operacional. Em suma, o concorrente efetivo continua sendo a Bombardier, agora parceira da Airbus. Apesar da competência técnica do CSeries, a companhia canadense se endividou e passou a depender de uma injeção muito forte de recursos para sua própria sobrevivência. Desta forma, a Airbus veio socorrê-la. Diferentemente da situação da Embraer, cujos aviões comerciais já eram líderes de mercado. Além disso, a Embraer poderia aproveitar a crise da Boeing para ampliar as vendas, aumentar o caixa e investir em novas tecnologias. Exatamente o oposto, a Embraer como conhecemos, uma empresa integrada e competitiva, deixa de existir caso este acordo com a Boeing seja efetivado.

Como o senhor vê o futuro da Embraer após o acordo comercial? 

A área comercial da Embraer passará a fazer parte da cadeia de produção e suprimentos da Boeing, tornando-se apenas uma parte da engrenagem comandada por Seattle, que decidirá o que fazer, produzir e desenvolver. A Embraer surgiu como uma empresa integrada (civil-militar). Com esta operação estamos vendo a desintegração da empresa, indo em uma direção contrária ao padrão de concorrência mundial caracterizado pelo crescimento, diversificação e integração. Quanto a divisão Executiva, a Embraer possui problemas de lucratividade e até prejuízos financeiros. Apesar da excelência de seus aviões, a empresa brasileira não está entre as líderes do segmento (Bombardier, Dassault e Gulfstream) e suas principais unidades produtivas estão situadas no exterior. Por fim, a área militar da Embraer, depende fundamentalmente dos investimentos públicos, que vem passando por severas restrições.

Marcos Barbieri é professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp

A divisão de Defesa & Segurança da Embraer possui um elo umbilical com o Estado Nacional. A desintegração da empresa poderá eliminar a sua capacidade tecnológica dual?

O elo será perdido entre as duas áreas. Não haverá mais transbordamento tecnológico da esfera militar para a civil. O mesmo engenheiro da Embraer que está desenvolvendo um projeto de aeronave civil hoje pode estar desenvolvendo uma aeronave militar amanhã. Não há como cindir equipes e laboratórios que trabalham de forma integrada sem grandes perdas e custos.

Em crise, como a empresa americana poderá dar continuidade aos investimentos para evoluções nos E-Jets?

As empresas transnacionais concentram suas atividades de desenvolvimento nos países sedes. No caso da Boeing, isto deverá ser reforçado, pois a empresa estadunidense precisa recuperar sua capacidade de engenharia com urgência. A própria aquisição da competência de engenharia da Embraer faz parte desta estratégia de recuperação da Boeing. No entanto, apesar de vantajosa para Boeing, esta estratégia implica no desmonte da capacidade de desenvolvimento da Embraer, cujas principais competências de desenvolvimento deverão ser transferidas para os EUA. Além disso, o possível agravamento da crise financeira da Boeing deve impactar negativamente os investimentos da unidade brasileira, ainda que para mantê-la essencialmente como uma unidade de produção e não de desenvolvimento.

O interesse da Boeing sobre a Embraer também reside na sua engenharia?

O ativo mais valioso que a Embraer possui é a competência técnica e o dinamismo de sua engenharia e desenvolvimento, reconhecidos mundialmente. Somado a isso, está a inteligência de mercado em lançar produtos certos no momento adequado. A meu ver, o grande problema do acordo é o comprometimento da área de desenvolvimento. Sendo assim, o interesse da Boeing não reside apenas na área comercial da empresa brasileira, mas também na capacidade de sua engenharia. A Boeing possui pouco dinamismo inovativo – vide os atuais problemas técnicos do 737 MAX. Querem, portanto, se apropriar da competência da Embraer.

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