Swissair, o ‘banco voador’ da Suíça que um dia ficou com o ‘cofre vazio’
Símbolo da solidez financeira do país europeu, companhia aérea fechou após expansão malograda

Em um passado não tão distante, empresas aéreas eram vistas como representantes dos seus países no exterior. Por serem estatais ou deterem monopólio nas rotas internacionais, elas moldavam a sua imagem com as características e anseios que seu país queria mostrar.
A Swissair é um exemplo clássico desse período da aviação. A companhia aérea era o retrato da Suíça: eficiente e com qualidade. Sua solidez nas finanças a fez ser apelidada como The Flying Bank – o banco voador.
Primórdios
As origens da Swissair partiram de duas empresas: Ad Astra Aero (Para as estrelas, em Latim), fundada em 1919 e com base de operações em Zurique, e da Balair, fundada em Basel em 1925. Em 1930, a Ad Astra Aero era maior que sua contemporânea, porém deficitária, enquanto a Balair recebia subsídios dos correios suíços.
Siga o AIRWAY nas redes: WhatsApp | Telegram | Facebook | LinkedIn | Youtube | Instagram | Twitter
A fim de racionalizar os custos, o governo federal obrigou a fusão das duas empresas, surgindo em primeiro de janeiro de 1931 a Schweizerische Luftverkehr AG, ou Swiss Air Transport, que logo foi abreviada como Swissair.

Logo de início, a Swissair mostrava vários pioneirismos entre suas rivais. Foi a segunda operadora europeia a receber aeronaves de fabricação americana, o Lockheed Orion; suas operações eram realizadas interruptamente, ao contrário das outras que paravam no inverno; e foi a primeira europeia a ter comissária a bordo, Nelly Diener em 1934, que faleceria no mesmo ano, vítima de acidente aéreo.

Antes da Segunda Guerra Mundial, a Swissair tinha uma rede consolidada entre seus pares europeus, com voos chegando até Londres, Paris, Roterdã, Amsterdã, Viena e diversos pontos na Alemanha. A frota era composta por bimotores Douglas DC-2 e DC-3, o início de uma parceria que duraria por décadas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a Swissair cancelou voos internacionais e por um breve tempo chegou a voar para Berlim e Roma, para logo depois cancelar as rotas e paralisar suas operações, que foram restauradas após o término da guerra.
Crescimento no pós-guerra
Em 1947, a empresa começou a operar seus primeiros voos intercontinentais, para os Estados Unidos, precisamente Nova York, com os Douglas DC-4. Voos para a América do Sul chegaram a ser realizados em caráter de testes entre 1947 e 1950.
Para a expandir a empresa, o Estado suíço investiu na Swissair por meio dos governos locais e das empresas de trem e de correio estatais. O aporte público permitiu que houvesse a troca dos DC-4 pelos DC-6 nas rotas para os Estados Unidos.
Em 27 de maio de 1954 era a vez da América do Sul ter voos regulares, quando ela inaugurou o voo SR460: Zurique-São Paulo (Congonhas), via Genebra, Lisboa, Dakar, Recife e Rio de Janeiro (Galeão), com o DC-6B HB-IBI. Em 1957, a empresa chegada ao Extremo Oriente, quando inaugurou serviços para Tóquio.

Nas rotas intercontinentais, a Swissair empregava os Douglas DC-6B e DC-7C Seven Seas e nas rotas europeias ,o Convair 440 Metropolitan. A qualidade técnica da empresa suíça já estava consolidada, inclusive com consultoria para a nova empresa Olympic Airways, da Grécia, e o treinamento de comissários da VARIG.
Rubem Berta, presidente da empresa brasileira, admirava a filosofia de operações da Swissair. A neutralidade suíça fazia com que a empresa voasse para destinos exóticos e obscuros na América do Sul, África e Ásia, que traziam receitas de fontes não convencionais.
A era do jato começou em 1960 quando recebeu o Caravelle e os Douglas DC-8-33, encomendados em conjunto com a SAS. A parceria com a SAS foi prolífica por décadas, com ambas padronizando manuais, racionalizando peças, operações conjuntas e até transferindo aeronaves entre elas. Em 1962 recebeu o Convair 990A, que foi empregado nas rotas para Ásia, África e América do Sul.

Em 1971 chegou o Boeing 747-200, sendo uma das primeiras operadoras europeias do Jumbo e a primeira vez que comprava aeronaves da Boeing. Entretanto, a espinha dorsal da nova frota intercontinental da Swissair estava nos McDonnell Douglas DC-10-30 encomendados e que seriam recebidos a partir de 1972 e mais uma vez recorreria à parceria com a SAS para operação das aeronaves, agora com adição da KLM e da UTA, no consórcio que se denominaria KSSU.
A década de 1980 foi dedicada a renovação da frota, com a compra do Airbus A310-200/-300, Boeing 747-300, Fokker 100 e dos McDonnell Douglas MD-81/-82. Com a aposentadoria dos Douglas DC-9-32, em 1988, a Swissair se tornou a primeira empresa aérea do mundo a ter frota 100% habilitada para pousar em aeroportos com CATIII de visibilidade.

Em 1989, a Swissair, Delta Airlines e Singapore Airlines assinam o Atlantic Excellence, criando uma aliança entre as três empresas para ajustar horários, combinar frequências, dividir salas VIP e outros procedimentos. Como parte do acordo, cada empresa tinha 5% de suas parceiras.
Ventos neoliberais na Europa
O início da década de 1990 representou um divisor de águas para aviação europeia. De um lado, o fim da URSS e da Guerra Fria significava que as empresas aéreas não eram mais assuntos de “interesse nacional”. Do outro lado, a integração econômica europeia estava em pleno curso e que culminariam com a formação da União Europeia e, especialmente na aviação, o fim das restrições de voos entre seus signatários.
Em suma, a Lufthansa poderia voar entre Madri e Milão sem passar por Frankfurt ou Munique. Era uma época de otimismo entre os europeus, que enfim conseguiriam se contrapor ao poderio econômico americano.
O governo suíço convocou plebiscito para saber se o país deveria aderir à União Europeia, unificando moedas, procedimentos, leis, etc. A resposta da população foi não. Para a Swissair isso significaria uma desvantagem em relação aos seus concorrentes, pois a união do espaço aéreo também vinha acompanhada do livre trânsito entre fronteiras, sem visto, proporcionado pelo Acordo de Schengen.
Mesmo para os integrantes da União Europeia, a unificação do mercado aéreo europeu seria fatal para as empresas como a SAS e KLM, que concorreriam com as gigantes Air France, British Airways e Lufthansa.
Por iniciativa da SAS foi criado Projeto Alcazar em que a Swissair, KLM, SAS e Austrian Airlines formaram uma nova empresa para competir com o triunvirato europeu.

Pelo arranjo, cada empresa teria 30% das ações, enquanto a Austrian Airlines teria apenas 10%. Os hubs seriam racionalizados, com Amsterdã para América do Sul, Zurique para África, Copenhage para Ásia e Viena para a Europa Central. O projeto foi encerrado em 1995 por dificuldades em integrar culturas diferentes, custos discrepantes entre os membros e a saída de dois entusiastas da fusão: Jan Carlzon, presidente da SAS, e Rainer Gut, da Swissair.
A solidez financeira da Swissair fazia com que os lucros fossem direcionados para outras atividades correlatas, como hotéis (Swissôtel), manutenção (SR Technics), catering (Gate Gourmet), leasing (Flightlease) e informática (Atraxis). A estratégia era diversificar a receita e não ser dependente apenas da companhia aérea.
Hunter Strategy: De caçador…
Gut foi substituído por Philippe Bruggisser e este preferia que a empresa se mantivesse independente, mas era preciso ter escala para concorrer. Em 1995, a Swissair comprou 49,5% da SABENA, a companhia aérea de bandeira da Bélgica e até então conhecida por ter tido lucro só duas vezes em toda sua história.
A consultoria McKinsey & Co. recomendou que a Swissair deveria ser dividida em quatro holdings e cada uma delas cuidaria de uma parte específica da empresa, que já abrangia desde serviços de hotelaria até de manutenção de aeronaves. Todas elas estariam sob a holding principais: a SAirGroup. A consultoria americana denominou o arranjo como Hunter Strategy, Estratégia de Caça. A Swissair seria a caçadora de pequenas empresas aéreas que não teriam escala para competir com as gigantes europeias.

Desta forma, a partir de 1997, a Swissair avançou em um processo de aquisição de diversas empresas europeia, como forma de ganhar escala e também aplicar a fórmula Swissair para recuperar essas empresas.
Além do investimento na SABENA, Crossair (70,5%) e Balair/CTA (100%), a Swissair comprou a partir de 1998 a Air Littoral (49%), AOM French Airlines (49,5%), Air Liberté (49%), Volare (34%), Air Europe (45%), Austrian Airlines (10%), LTU (49,9%), Cargolux (33,7%), Ukraine International Airlines (5,6%), South African Airways (20%) e a LOT (37,6%), além de pretensões de comprar 42% da Portugália Airlines, 34% da TAP Air Portugal, 51% da Turkish Airlines e 20% da Transbrasil.
A megalomania de criar uma empresa pan-europeia não tinha limites, com pretensões de buscar investimentos na AerLingus, Finnair, MALEV e até mesmo com a Alitalia.

Mas no final da década de 1990 ocorreram dois eventos significativos na Swissair: o acidente com o MD-11 HB-IWI em dois de setembro de 1998, vitimando todas os ocupantes; e a saída em 1999 da Delta Airlines do Atlantic Excellence (renomeada então como Qualiflyer), preferindo assinar acordo com a Air France.
A receita da SAirGroup em 1999 atingiu US$ 7,8 bilhões, aumento de 15% em relação ao ano anterior. O lucro caiu 24%, para US$ 163 milhões. A rentabilidade era de 2,1%, contra 3,1% de 1998.
… à caça
Sucessos empresariais nem sempre significam que suas culturas, conceitos e contextos podem ser aplicados integralmente em outros lugares. E a Swissair começava a sentir que seus esforços de criar um grupo poderoso estava começando a fazer água.
Em 2000, a SAirGroup reportou receita recorde de US$ 9,4 bilhões, sendo o quarto maior grupo aéreo europeu e 11º do mundo, logo atrás da Continental Airlines. Por outro lado, teve prejuízo recorde de US$ 1,6 bilhão, em parte pelos investimentos e do aumento do custo do petróleo. Esta cifra era tão alta que equivalia a metade da receita da VARIG, então 28ª maior do mundo.

O prejuízo foi tão grande que a Bolsa de Valores de Zurique suspendeu as ações do SAirGroup após movimentações abruptas em seus valores. Por empresa aérea, a Swissair teve prejuízo de US$ 112 milhões, os investimentos franceses perderam US$ 344 milhões, a LTU com U$$ 196 milhões e a SABENA com US$ 284 milhões.
Philippe Bruggisser saiu da empresa em janeiro de 2001 e foi substituído por Mario Corti, diretor financeiro da Nestlé. Apelidado de Super Mario pelo trabalho na Nestlé, Corti anunciou aumento de capital de US$ 590 milhões, o desinvestimento em diversas unidades, a começar com o Swissôtel, vendido em abril para a Raffles Group de Cingapura. A holding colocou a venda sua participação na Austrian Airlines e na Atraxis.
Ao mesmo tempo em que precisava reestruturar a casa, Corti via outros investimentos precisarem de mais aportes financeiros. A SABENA teve que ser capitalizada novamente como parte do acordo de aumentar o capital da SAirGroup na empresa belga para 85%. A AOM e Air Liberté entraram em recuperação judicial e a SAirGroup teve que injetar dinheiro e encerrar sua participação. E na Air Littoral vendeu sua participação por simbólico um Euro.

A sangria financeira continuava e a SAirGroup anunciava a venda de duas joias da coroa: a operadora de free-shops Nuance e a Swissport, uma das maiores empresas de handling do mundo.
Mesmo no turbulento ano de 2001, a Swissair recebeu os prêmios “Best Economy Class Worldwide” e “Best European Airline” pela World Travel Awards. Um reconhecimento para os 70 anos da companhia.
No meio da reestruturação ocorreram os atentados terroristas de 11 de setembro. O efeito imediato foi a queda de passageiros e a Swissair avisou às autoridades suíças que não teria caixa para manter as operações a partir de outubro. A empresa solicitava uma linha de crédito emergencial enquanto preparava o plano de reestruturação, uma vez que fornecedores e autoridades aeroportuárias passaram a exigir pagamentos à vista para a realização dos serviços.
No dia 1º de outubro, foi anunciado o Phoenix Project, que consistia em vender a Crossair para os bancos UBS e Credit Suisse, assim como aeronaves e concessões da Swissair. Em linhas gerais, seria uma fusão reversa e limparia os ativos da linha aérea dos prejuízos dos investimentos realizados pela SAirGroup.

No dia seguinte, o UBS negou linha de financiamento para a Swissair e às 15h45 de Zurique, era anunciado o impensável: a empresa não operaria mais nenhum voo por falta de caixa para pagar combustível, taxas aeroportuárias e hotéis aos tripulantes. Mais de 39 mil passageiros foram pegos de surpresa com a paralisação das atividades.
Autoridades federais e os dois maiores bancos suíços correram para fornecer uma linha de crédito para a empresa e os voos foram reestabelecidos em 04 de outubro. Mas os danos estavam feitos e no mesmo dia a Swissair, a SAirLines – holding que representava os interesses em empresas aéreas – e a Flightlease entraram em recuperação judicial.

Com aporte do UBS, do Credit Suisse, governo federal e dos cantões, a Crossair foi transformada em Swiss International Air Lines, que receberia 52 aeronaves da Swissair e seus direitos de operação.
O que era uma vez um grupo estruturado começou a ser vendido por partes para o pagamento de dívidas. Os governos da Polônia e da África do Sul compraram de volta as ações que tinha sido vendidas. Um mês depois a SABENA declarou falência. Os slots de produção dos A340-600 foram vendidos para a South African e a Virgin Atlantic.
Neste ínterim, a Swissair continuou operando os voos, mas sua malha internacional, que chegou a operar até Taipei, Manila e Santiago do Chile foi reduzida significativamente. E no dia 31 de março de 2002, o voo SR145 decolou de São Paulo/Guarulhos rumo à Zurique, onde pousou no dia 1º de abril. Era o último voo realizado pela Swissair, a partir daquele dia os voos seriam realizados pela Swiss.

Swiss, a nova companhia aérea suíça
A falência da Swissair foi um caso nacional e uma mancha na reputação da solidez financeira das empresas suíças. Era a maior falência de uma empresa aérea europeia e os orgulhosos suíços procuravam culpados para o debacle da empresa que representava a imagem do país. Criaram investigações para apontar culpados, desde Philippe Bruggiser até Mario Corti, passando pelos bancos UBS e Credit Suisse, mas o estrago tinha sido feito.

A Swiss, sucessora da Swissair, tentou aproximação com a American Airlines e a British Airways, até uma eventual adesão à Oneworld. Mas os números da empresa ainda despertavam preocupações do governo e acionistas, teimosamente continuavam no vermelho.
Em 2005 foi anunciado que a Lufthansa compraria a Swiss e integraria ao seu portfolio de empresas aéreas. Ironicamente, ao longo dos anos a Lufthansa foi trazendo para seu guarda-chuva as empresas que a Swissair ambicionava ter em seu controle: a Austrian Airlines e a Brussels Airlines (surgida em parte pelos ativos da SABENA).
A Swissair, que era o Flying Bank e referência de qualidade operacional e de serviços na aviação, almejou ser a caçadora e player atuante na consolidação europeia, mas no fundo se tornou a caça e hoje é uma das unidades mais rentáveis do Lufthansa Group.
Apesar do caso didático da Swissair, duas empresas malograram em expansões que lembraram a Hunter Strategy: Etihad Airways e Hainan Airlines. A falência da Swissair mostra que montar um conglomerado aéreo de forma agressiva, sem planejamento, integração e com o objetivo de criar escala de operações é uma tarefa ousada e nem sempre o objetivo é atingido.