A “tragédia” do aeroporto com uma única pista
Incidente com Boeing 777 da LATAM no aeroporto de Confins reforça necessidade de investimentos em infraestrutura aeroportuária no Brasil


Era meio do feriado do Dia de Nossa Senhora Aparecida em 2012 quando na noite do sábado 13 de outubro um cargueiro MD-11 da companhia Centurion fez um pouso em Viracopos e acabou parando no meio da pista do aeroporto com um dos pneus do trem de pouso esvaziado. Prestes a ser concedido à iniciativa privada, Viracopos ainda não possuía equipamentos para retirar a aeronave do local e foi preciso esperar para que uma complexa operação pudesse deixar o trijato em condições de se movimentar. Tempo da interdição? Quase dois dias.
O problema, no entanto, foi agravado porque o aeroporto de Campinas só possui uma pista de pouso e com isso todos os voos precisaram ser cancelados ou desviados para outras localidades. Depois do incidente muito se falou em construir uma segunda pista ou até de adaptar a pista de taxiamento para receber aeronaves em situações emergenciais, porém, hoje Viracopos segue operando com sua única pista, embora tenha um movimento de aeronaves anual de mais de 100 mil pousos e decolagens (2017).
Seis anos depois do episódio em Campinas, na madrugada desta quinta-feira (20) novamente a aviação brasileira se deparou com uma situação semelhante no aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Por conta de um problema técnico, um Boeing 777-300ER da LATAM que havia decolado de Guarulhos com destino a Londres acabou fazendo um pouso de emergência no terminal mineiro. No entanto, durante a rolagem na pista, oito pneus do trem de pouso principal explodiram retendo o widebody no local. Resultado? Mais um aeroporto fechado por ter apenas uma pista.
A previsão da concessionária BH Airport (que administrada o aeroporto) nesta manhã era de que a pista deveria ser liberada apenas no início da noite, prejudicando milhares de passageiros justamente num período de final de ano, quando muitas pessoas acabam viajando de férias ou para suas cidades de origem.
Em comum, Confins e Viracopos compartilham movimentos de passageiros respeitáveis: enquanto o aeroporto mineiro teve mais de 10 milhões de passageiros em 2017, o terminal aeroportuário de Campinas ultrapassou os 9 milhões. Ambos também são os principais hubs da Azul, enquanto Confins sedia a maior estrutura de manutenção da Gol.
Mas o pior aspecto que os dois se equivalem é ter apenas uma pista de pouso e nenhum aeroporto alternativo próximo. Campinas fica a 100 km de São Paulo enquanto Belo Horizonte possui um segundo aeroporto, Pampulha, com uma infraestrutura precária além de ser proibido atualmente de receber voos de jatos entre aeroportos maiores.
A ironia sobre Confins é que a concessão do aeroporto previa a construção da segunda pista logo no início do contrato, porém, um acordo entre a BH Airport e o governo federal no ano passado postergou a obra, orçada em cerca de R$ 800 milhões para daqui a dois a quatro anos. O pretexto seria o fato de o aeroporto não estar nem perto do “gatilho” para a construção da segunda pista, um total de operações anuais 198 mil pousos e decolagens, ou seja, quase o dobro do atual. O incidente desta quinta-feira, quem diria, deve gerar um bom prejuízo para a BH Airport que movimenta pelo menos 30 mil passageiros por dia.

Fora de contexto
Mas afinal ter apenas uma pista torna a operação de um aeroporto de grande porte tão arriscada assim? Incidentes como do jato da LATAM e da empresa cargueira são raridades? Há que se reconhecer que eles não são tão comuns, mas foram ocorrer justamente nos dois maiores aeroportos brasileiros com pista única. No caso de Confins, servir como alternativa para o pouso do 777 é sem dúvida uma coincidência. Embora esteja no caminho de muitos voos para o exterior, o terminal aéreo calhou de ser o mais próximo no momento em que a tripulação decidiu abortar o voo.
O maior motivo para se construir uma segunda pista ou terceira pista é mesmo o movimento de aeronaves. Com a crise econômica nos últimos anos, o tráfego aéreo comercial teve uma queda significativa que acabou afetando as otimistas projeções antes das concessões, mas já há um reaquecimento que pode colocar em situação-limite alguns aeroportos como Guarulhos, o mais movimentado do país e que recentemente implantou um sistema de pousos e decolagens simultâneos em suas duas pistas.
A questão, no entanto, não está apenas nesses aspectos mas sim na precariedade da infraestrutura aeroportuária brasileira. Grandes aeroportos com pista única existem no mundo inteiro, dois deles com uma movimentação anual de aeronaves enorme como Gatwick, em Londres (282 mil operações em 2017) e San Diego, nos EUA (mais de 200 mil pousos e decolagens no ano passado), mas é preciso enxergar o contexto desses dois terminais.
Segundo aeroporto mais movimentado de Londres e o que mais tem destinos no Reino Unido, Gatwick fica numa área cheia de aeroportos que podem receber seus voos em caso de problemas. Embora possua uma segunda pista bem ao lado da principal ela não é utilizada para operações. Já San Diego é vizinho de uma base naval com várias pistas que poderiam ser usadas numa emergência como do 777 da LATAM, por exemplo.
Já no Brasil flerta-se com a sorte. Não apenas Confins e Viracopos estão isolados em suas regiões como outros aeroportos, mesmo com uma segunda pista, correm o risco de enfrentar problemas semelhantes por conta de sua infraestrutura aquém do necessário. É o caso dos maiores aeroportos do Nordeste (Recife, Fortaleza e mesmo Salvador, cuja pista auxiliar é muito pequena) e em Porto Alegre, por exemplo. Até mesmo os movimentados Congonhas e Santos Dumont que, em tese, têm uma pista auxiliar, sofreriam com limitações severas caso as pistas principais ficassem interditadas por conta de restrições de operação.
Como diz o ditado, “um raio não cai duas vezes no mesmo lugar”. Para a aviação comercial brasileira, parece que isso é possível. Que sirva de recado para motivar novos investimentos.
