Casco do porta-aviões São Paulo pode ser abandonado no mar
Empresa que comprou o casco da antiga embarcação renunciou a propriedade em favor da União

A MSK Maritime Services & Trading, responsável pela sucata do ex-porta-aviões NAe São Paulo da Marinha do Brasil, informou na terça-feira (11) que renunciou a propriedade do casco da antiga embarcação militar em favor da União.
Em carta de advertência enviada ao Ibama e demais autoridades ambientais do Brasil, a NSN Law Firm, representante da MSK, estipulou um prazo de 12 horas para que as autoridades brasileiras providenciassem as aprovações e/ou ações necessárias para receber o casco do barco, que navega rebocado sem destino há mais de 90 dias.
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“Passaram as 12 horas e não tivemos resposta das autoridades”, disse Zilan Costa e Silva, advogado da MSK, em contato com o AIRWAY. “A empresa chegou ao limite de sua capacidade financeira de continuar. O casco do navio está sendo rebocado desde 5 de agosto. Por não vislumbrar nenhum caminho, a MSK renunciou a propriedade do casco em favor da União.”
O não cumprimento da solicitação pode resultar na “disposição do casco do porta-aviões”, com todas as responsabilidades posteriores sendo das autoridades brasileiras, de acordo com Costa e Silva. “Não podemos sair, não podemos entrar, não podemos ir a lugar algum. Estamos navegando de um lado para o outro numa área quadrada limitada na costa do Pernambuco a quase uma centena de dias. Não há energia para continuar.”

“Vai chegar um momento que o rebocador vai ficar sem combustível. Para preservar a saúde dos tripulantes (do rebocador), ele pode largar o comboio. Estamos avisando as autoridades e nenhuma solução é apresentada”, comentou o advogado da MSK.
Considerando todos os fatos jurídicos, o proprietário legal do casco do NAe São Paulo tem o direito de dispor do navio em total conformidade com as leis internacionais e regras comerciais.
“Esse procedimento é chamado de ‘perdimento’ ou ‘abandon’ em inglês, de abandonar. Mas em português o termo abandonar tem uma conotação diferente. O casco do navio, neste momento, está seguro e não há riscos ao meio ambiente ou à navegação. Nós estamos notificando as autoridades sobre a situação, é um pedido de socorro”, salientou Costa e Silva, que estimou um prejuízo em torno US$ 10 milhões ao proprietário do casco em função da indefinição sobre o seu destino.
Entenda o imbróglio
Conforme publicado em primeira mão pelo AIRWAY, o casco do porta-aviões São Paulo foi arrematado em março de 2021 por R$ 10,5 milhões por um estaleiro turco de reciclagem de embarcações. Em agosto do ano passado, o navio desativado deixou o Rio de Janeiro, onde ficava estacionado, rumo a Turquia.
No entanto, temendo pela suposta presença de grande quantidade de amianto no casco do barco, o ministério do meio ambiente da Turquia barrou a entrada da antiga embarcação em suas águas territoriais. Quando essa proibição foi levantada, o comboio estava próximo de atravessar o Estreito de Gibraltar, que dá acesso ao Mar Mediterrâneo. Logo em seguida, o Ibama pediu o retorno do casco ao Brasil para a realização de uma nova inspeção de materiais tóxicos.
Apesar da ordem do Ibama, nenhum porto ou estaleiro brasileiro autorizou o atracamento do casco em suas instalações. Desta forma, o casco rebocado navega em círculos na altura do litoral do Pernambuco desde outubro de 2022.
Maior navio de guerra do Brasil
O navio-aeródromo São Paulo chegou às mãos da Marinha do Brasil no ano 2000, comprado da França por US$ 12 milhões durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. O navio foi o substituto do NAeL Minas Gerais, que operou no Brasil entre 1960 e 2001.
O NAe São Paulo chegou ao Brasil em 2001; o navio foi construído na França entre 1957 e 1960 (Marinha do Brasil)Quando ainda estava ativo, o São Paulo era o porta-aviões mais antigo do mundo em operação. A embarcação foi lançada ao mar em 1960 e serviu com a marinha da França com o nome FS Foch, de 1963 até 2000. Sob a identidade francesa, o navio de 32,8 mil toneladas e 265 metros de comprimento atuou em frentes de combate na África, Oriente Médio e na Europa.
Com a Marinha do Brasil, no entanto, a embarcação teve uma carreira curta e bastante conturbada, marcada por uma série de problemas mecânicos e acidentes. Por esses percalços, o navio passou mais tempo parado do que navegando. Em fevereiro de 2017, após desistir de atualizar o porta-aviões, o comando naval decidiu desativar o NAe São Paulo em definitivo.
Segundo dados da marinha brasileira, o São Paulo permaneceu um total de 206 dias no mar, navegou por 54.024,6 milhas (85.334 km) e realizou 566 catapultagens de aeronaves. A principal aeronave operada na embarcação foi o caça naval AF-1, designação nacional para o McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, hoje operados a partir de bases terrestres.
Porta-aviões gêmeo, Clemenceau passou por situação parecida
O Clemenceau, irmão do Foch, que foi desmantelado no Reino Unido entre 2009 e 2010, teria cerca de 760 toneladas da substância retirada de seu casco.
Desativado em 1997, o porta-aviões foi vendido para uma empresa espanhola em 2003, que pretendia desmontá-lo também na Turquia, mas a França cancelou o acordo.
Dois anos depois, o governo francês tentou levá-lo para a Índia, onde outro porta-aviões brasileiro, o Minas Gerais, foi desmontado sem quaisquer cuidados.
A tentativa foi frustrada pelo Egito, que impediu que o Clemenceau passasse pelo Canal de Suez. Após discussões prolongadas, a França decidiu trazer o navio de volta. Em 2008, finalmente o porta-aviões seguiu para Hartlepool, no norte da Inglaterra, onde a empresa Able UK o desmontou.
