Você sabia que porta-aviões submarinos já existiram?

Embarcações chegavam a levar três aviões e o projeto mais famoso tinha a missão de arrasar o Canal do Panamá
O submarino HMS M2 foi adaptado em 1927 para transportar um hidroavião Parnal Peto (domínio público)
O submarino HMS M2 foi adaptado em 1927 para transportar um hidroavião Parnal Peto (domínio público)
O submarino HMS M2 foi adaptado em 1927 para transportar um hidroavião Parnal Peto (domínio público)
O submarino HMS M2 foi adaptado em 1927 para transportar um hidroavião Parnal Peto (Domínio Público)

Porta-aviões submarinos podem parecer algo saído de gibis, mais ou menos como o porta-aviões aéreo da Shield em Os vingadores. Mas o conceito não apenas é real como foi aplicado com sucesso no entre-guerras – até ser abandonado após a Segunda Guerra Mundial. No início, alguns submarinos foram equipados com hidroaviões de reconhecimento. Contudo, o conceito foi extrapolado pelos japoneses, responsáveis por criarem os maiores submarinos do segundo conflito, os incríveis I-400, capazes de levar uma força de ataque de três aviões.

Não era incomum que embarcações levassem aviões embarcados. Cruzadores, destróieres e até mesmo navios mercantes carregaram hidroaviões para rastrearem forças inimigas antes mesmo que a embarcação tivesse qualquer contato visual com a ameaça. Eram aeronaves aplicadas em missões de reconhecimento e não de ataque.

Primeiras experiências

O que é mais curioso é o desafio inicial: como um submarino teria capacidade para fazer a mesma coisa que um navio de porte bem maior? No início, o jeito foi levar o avião sobre o próprio submarino, uma maneira de estender o alcance então limitado das aeronaves. O primeiro registro de uma missão do tipo foi do submarino alemão U-12, que em 1915 levou um hidroavião Friedrichshafen FF.29 em uma missão experimental. Embora a embarcação não pudesse submergir enquanto transportava a aeronave, era uma ideia interessante: pouco antes um avião do mesmo tipo convertido a bombardeiro havia alcançado com sucesso Londres e lançado uma bomba de 12 kg.

Por mais que parecesse promissor, o primeiro passeio foi desajeitado: o submarino não conseguiu se manter estável após entrar em mar aberto e teve que submergir um pouco para deixar o avião e seus flutuadores terem contato com a água mais cedo do que o desejado.

A Alemanha foi o primeiro país a operar um submarino que podia leva um avião, com o U-boat U-12, em 1915 (Domínio Público)
A Alemanha foi o primeiro país a operar um submarino que podia leva um avião, em 1915; na imagem o U-Boat U-12 leva em convés um hidroavião FF.29  (Domínio Público)

Os ingleses também fizeram suas experiências a bordo do HMS E22, que carregou sobre o seu casco dois hidroaviões Sopwith Schneider em 1916. O objetivo era interceptar dirigíveis alemães sobre o Mar do Norte, bem antes das aeronaves chegarem próximo da Inglaterra. O resultado foi igualmente pífio. Levar um aeroplano maior do que a largura do submersível era algo que destruía a navegabilidade da embarcação, sem falar que o submarino ficaria exposto até se livrar do seu “hóspede”. Sem poder submergir, pouco poderia fazer diante de um inimigo. Problemas que seriam solucionados pela nova geração de porta-aviões submarinos do entre-guerra.

Na década seguinte, os britânicos retomaram o conceito com o HMS M2, um submarino construído em 1917 e convertido em 1927 para transportar um avião, um biplano Parnall Peto. Desta vez, porém, a embarcação podia submergir com a aeronave, que ficava guardada em um hangar selado.

O jeito foi apelar para submarinos maiores. Um dos primeiros foi o gigantesco Surcouf da marinha francesa. Comissionado em 1934, o submarino batizado em homenagem ao corsário Robert Surcouf era o maior do tipo na época. Seu comprimento chegava a 110 metros e o armamento incluía dois canhões de 203 mm, o que lhe dava a classificação de cruzador submarino, uma embarcação projetada para enfrentar forças inimigas sem precisar submergir e apelar apenas a torpedos.

Seu enorme tamanho permitiu a instalação de um hangar na torre de observação. O espaço apertado era suficiente para levar um hidroavião Besson MB.411, pensado mais para observar movimentos inimigos, mas que também foi usado para a calibração dos canhões citados acima. A carreira do submarino durou até 1942, quando ele teria sido afundado em um acidente com um cargueiro aliado no Caribe. Até hoje, o naufrágio não foi localizado.

O submarino Surcouf da França contava com um hangar na parte traseira (domínio Público)
O submarino francês Surcouf contava com um hangar na parte traseira (Domínio Público)

Entusiasmada, a Marinha Real da Itália encomendou alguns submarinos com hangar, que operariam aviões feitos sob encomenda pela Macchi e Piaggio, entretanto, os planos foram cancelados. Da mesma maneira, a Inglaterra chegou a ter um submarino do tipo, o HMS M2, cujo o afundamento em 1932 levou os britânicos a abandonar a ideia, decisão que influenciou a desistência dos Estados Unidos, que chegaram a testar o conceito.

Os alemães ficaram famosos pelos seus atemorizantes U-Boats, no entanto, as forças armadas do país não levaram a cabo a ideia de um enorme submarino capaz de levar hidroaviões Arado AR231. Como o início da Segunda Guerra Mundial, o projeto foi abandonado em favor dos comprovados Type VII. Alguns submarinos germânicos chegaram a levar a bordo autogiros Focke-Achgelis Fa 330, uma espécie de avô do helicóptero.

Alguns submarinos da Alemanha transportaram autogiros durante a Segunda Guerra Mundial (Domínio Público)
Submarinos alemães transportaram autogiros durante a Segunda Guerra Mundial (Domínio Público)

Yamamoto e os megasubmarinos japoneses

Maior sucesso teve o Japão, que incluiu hangares em quase todas as embarcações da classe J2 e J3, com 42 barcos dotados desta capacidade. Feitos entre 1937 e 1938, tais submersíveis influenciaram fortemente a classe I-400, de longe os mais bem-sucedidos porta-aviões capazes de navegar abaixo da linha d’água.

Chamar a classe de megasubmarino não é exagero, o comprimento total chegou aos 400 pés, o equivalente a 122 metros. Estamos falando de um submersível maior do que a maioria dos destróieres da época. Somente os submarinos nucleares criados para carregar misseis balísticos conseguiram ultrapassar os I-400.

Os megasubmarinos do Japão podiam transportar até três aeronaves (Domínio Público)
Os megasubmarinos do Japão podiam transportar até três aeronaves; na imagem um Aichi M6A Seiran é lançado pela catapulta de um submarino da classe I-400 (Domínio Público)

Tais medidas permitiram a inclusão de um hangar cilíndrico de 31 metros de comprimento e 3,5 metros de largura embutido na longa estrutura da torre. O compartimento foi alargado para acomodar três aviões no lugar dos dois previstos inicialmente.

Pensado em 1942, logo depois do bem-sucedido ataque de Pearl Harbor, o objetivo inicial era construir 18 embarcações, todas capazes de dar uma volta completa no mundo e voltar ao porto de origem. Mente por trás do ataque, Isoroku Yamamoto desejava levar a guerra ao continente americano. Pearl Harbor fica no Havaí, no meio do Pacífico, então embarcações de ultra longo alcance seriam a resposta. Se fossem indetectáveis para forças de superfície, melhor. O almirante encorajou a criação dos submarinos especiais, capazes de sair do Japão e ir e voltarem até a costa oeste norte-americana três vezes sem reabastecer, mas a sua morte no ano seguinte reduziu a encomenda inicial a apenas três barcos.

Cada um era capaz de carregar até três hidroplanos Aichi M6A Seiran, um à frente do outro. O avião foi criado para levar uma bomba de até 800 kg e tinha autonomia máxima de 1.000 km voando a 475 km/h.

Os submarinos japoneses da classe I-400 foram as maiores embarcações desse tipo construídas durante a Segunda Guerra Mundial (Domínio Público)
Os submarinos japoneses da classe I-400 foram as maiores embarcações desse tipo construídas durante a Segunda Guerra Mundial; acima um modelo com o trilho de lançamento de aviões (Domínio Público)

Para embuti-los no compartimento, o Seiran tinha flutuadores destacáveis, asas capazes de se dobrar hidraulicamente 90 graus para trás e ficarem juntas ao corpo do avião e estabilizadores horizontais e vertical dobráveis. Uma equipe bem treinada era capaz de lançar os três bombardeiros em 30 minutos. A decolagem era auxiliada por uma catapulta hidráulica na parte frontal do casco do I-400 e a recuperação dependia de um guindaste dobrável.

Os planos secretos dos japoneses

Demorou pouco para os norte-americanos começarem a virar o cenário da guerra no Pacífico ao seu favor. Ainda em vida, Yamamoto já havia notado que a maré viraria. Se o plano de destruir a frota do Pacífico dos EUA não tirou todo o poder de fogo naval do país, que tal dificultar a chegada de suprimentos e navios militares ao próprio oceano? A única maneira seria atacar o Canal do Panamá, que encurta a viagem entre o Oceano Atlântico e o Pacífico ao dispensar a travessia do Cabo Horn, no extremo do continente sul-americano.

O plano do Japão de atacar o Canal do Panamá nunca foi concluído (Domínio Público)
O plano do Japão de atacar o Canal do Panamá nunca foi concluído (Domínio Público)

Claro que os americanos tinham mais do que consciência da importância do canal e trataram de fortificar bem ambas entradas. O forte Sherman protegia a porção do oceano Pacífico graças à ajuda da sua artilharia de longo alcance. Os projéteis eram capazes de atingir alvos a até 27 km de distância, mais do que o suficiente para repelir qualquer navio ou submarino que ousasse vir à superfície. Após o ataque de Pearl Harbor, a defesa foi incrementada e passou a contar com redes antissubmarino e balões barragens, menores do que dirigíveis e ligados ao solo por cabos, mas capazes de carregar cargas explosivas e destruir aviões a baixa altitude.

Tais defesas foram sendo afrouxadas ao longo de 1943. No raiar de 1944, o alto comando nipônico conseguiu diversas plantas e detalhes técnicos do canal graças a um engenheiro japonês que havia trabalhado no projeto do canal, inaugurado apenas 30 anos atrás (1914). Após uma junta de engenheiros navais destrinchar as centenas de documentos, eles chegaram à conclusão de que a eclusa de Miraflores à beira do Pacífico poderia ser a mais vulnerável a um ataque, porém, o mais efetivo seria bombardear a eclusa de Gatun, já no lado do Oceano Atlântico. Daquele lado, a água represada da represa de Gatun não poderia ser contida, ou seja, os EUA levariam pelo menos seis meses para reparar o dano.

Nada melhor do que ter alguns submarinos porta-aviões nesta hora. Responsável por todos os submarinos na Marinha Imperial Japonesa, Yasuo Fujimore aprovou o plano e determinou a modificação de dois submarinos de linha para complementar os I-400 e I-401. Ambos I-13 e I-14 ganharam um hangar maior, capaz de levar dois bombardeiros Seiran – um a menos do que os grandões. No total, seriam dez aviões usados no ataque, dois deles armados com torpedos e os demais dotados de bombas de 800 kg. No entanto, os japoneses decidiram equipar todos com bombas de gravidade, pois seria difícil obter sucesso no ataque de torpedos.

Oficiais dos EUA inspecionam o hangar cilíndrico do submarino japonês capturado (Domínio Público)
Oficiais dos EUA inspecionam o hangar cilíndrico do submarino japonês capturado (Domínio Público)

A jornada levaria exatos dois meses, os submarinos emergiriam e lançariam os aviões às três da manhã em um ponto 185 km distante da costa do Equador. Eles voariam a apenas 50 metros de altura, tudo para não serem detectados por radares ou pelos aviões de patrulha. O objetivo era ir até o lado caribenho do istmo do Panamá para, somente então, virarem em direção ao alvo em Gatun. Depois do bombardeio, eles voltariam a um ponto de encontro, onde poderiam pousar na água e serem recuperados.

Nem tudo seria glória. Em abril de 1945, o comandante do ataque, capitão Ariizumi, mudou o plano: os pilotos fariam um ataque kamikaze aos portões. Não foi preciso muito tempo para a tripulação dos Seiran notar que havia algo errado, particularmente quando um piloto notou que o mecanismo de soltura da bomba havia sido retirado das aeronaves.

Para você ter uma ideia do quanto o plano foi à frente, os japoneses chegaram a construir uma réplica das comportas de Gazun em tamanho real, uma enorme reprodução feita de madeira localizada no Arsenal Naval de Maizuru. Colocada sobre uma balsa, a réplica era rebocada até o meio da baía, nos arredores de Quioto. Eles chegaram a praticar o lançamento, decolagem e recuperação dos aviões à noite. O treinamento durou todo o mês de junho de 1945, mas a guerra virou antes do plano ser executado.

O último Aichi M6A Seiran está preservado no National Air and Space Museum, em Washington (NASM)
O último Aichi M6A Seiran está preservado no National Air and Space Museum, em Washington (NASM)

A queda de Okinawa mudou o objetivo. Drenar parte do canal do Panamá àquela altura não mudaria o avanço dos Estados Unidos, cada vez mais próximo do Japão na sua tática de pular de ilha em ilha. Os japoneses planejaram usar os porta-aviões submarinos de outra maneira, primeiro para localizar a frota norte-americana nos arredores do atol de Ulithi, segundo para atacar os porta-aviões com os Seirans. Ataques kamikazes, claro. Havia ainda outro detalhe ingrato: os aviões foram pintados com as insígnias americanas antes de saírem de Maizuru, nada da bandeira do Japão. Era uma infração das regras de guerra, apenas uma medida do desespero japonês naquele momento.

Era uma situação de tudo ou nada e os I-400 faziam parte da maior parte dos ataques mirabolantes tecidos pelos japoneses. Um deles incluía o ataque de San Diego com armas químicas, planejado para setembro de 1945.

Nenhum deles foi levado adiante. O I-13 foi danificado por uma patrulha de aviões TBM Avenger e foi a pique após ser encurralado por um destróier americano e suas cargas de profundidade. Já era tarde demais, após ser bombardeado com duas bombas nucleares, o Japão se rendeu no dia 15 de agosto de 1945 e as tripulações receberam a ordem de destruir suas armas uma semana depois. Os Seirans foram lançados sem abrir suas asas e nem mesmo os torpedos foram poupados, todos despejados sem serem sequer armados.

Maquete mostra como os Aichi M6A Seiran eram guardados no submarino (Tamya)
Maquete mostra como os Aichi M6A Seiran eram guardados no submarino (Tamya)

Só que os japoneses não destruíram os enormes I-400, I-401 e o I-402, transformado em navio tanque submarino. Quando os americanos a bordo do destróier USS Blue se depararam com o I-400, eles quase surtaram. O submarino era sete metros mais comprido e quase tão largo quanto o navio. Os americanos colocaram as mãos em 24 submarinos nipônicos, incluindo todos os três da classe de megasubmarinos.

Eles logo começaram a inspeção das embarcações na baia de Sasebo, nas proximidades da arruinada Nagasaki. Até que os soviéticos pediram para inspecionar os submarinos. Em instantes, os americanos criaram a operação “Fim da Estrada”. A maioria dos barcos japoneses foi levado para o alto-mar e afundados, mas os I-400 e I-401 foram levados em segredo para o Havaí junto com os I-201 e I-203. Depois de satisfeitos, os americanos torpedearam todos perto de Oahu.

Os documentos com a localização dos destroços eram secretos, mas em 2005 os I-400 e I-401 foram encontrados por pesquisadores entre profundidades de 700 e 820 metros. O único Seiran sobrevivente foi restaurado e está no Museu Aeroespacial Nacional de Washington, após ter sido encontrado na fábrica da Aichi, em agosto de 1945, e restaurado em 1989.

Veja mais: Quando os porta-aviões voavam…

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