Juntas, Boeing e Embraer podem criar super grupo aeroespacial

Rumores que fabricante americano teria interesse em outras divisões da Embraer faz surgir a hipótese do surgimento de uma empresa com um portfólio praticamente completo

Boeing e Embraer: joint venture cancelada em 2020
Boeing e Embraer: joint venture cancelada em 2020 (Airway)
Boeing e Embraer: gigante aeroespacial a caminho? (Montagem sobre imagens de divulgação)

Passado o furor com a revelação que a Boeing e Embraer estão estudando algum tipo de associação, informações mais relevantes e sensatas começam a surgir e que dão o tom do que está em jogo. Não deve se tratar de uma sandice conspiratória de um lado ou da salvação de empregos e a sobrevivência das empresas do outro e sim uma união que pode dar muitos frutos para ambas caso seja bem desenhada.

É nesse ponto que está o xis da questão. Por isso é pouco provável imaginar que a Boeing possa dar uma cartada tão pesada a ponto de comprar a Embraer, como muitos chegaram a imaginar. Ou que o governo brasileiro interfira a ponto de melar uma negociação sensata. A revelação publicada pelo jornal Folha de São Paulo nesta terça-feira (2) vai nesse sentido. Surpreende por dar conta do interesse dos americanos também por outras divisões da Embraer, algo muito mais profundo do que fez a Airbus com a Bombardier, mas parece haver um cuidado em deixar claro que a Boeing não assumiria nenhuma área estratégica, ponto preocupante para o governo.

Uma associação mais profunda, ao contrário do que poderia sugerir, revela-se mais natural do que a simples parceria no mercado de aviões comerciais. A razão é simples: Boeing e Embraer se completam como se fossem um imenso quebra-cabeça. Onde a empresa brasileira é forte, a Boeing não atua e vice-versa.

Pegue-se o exemplo do setor de defesa. A Boeing é um gigante mundial, mas carece de um treinador avançado turbo-hélice. Mais que isso, ela deve brilhar os olhos para a oportunidade de ter em seu portfólio o KC-390, o jato cargueiro que a Embraer está prestes a colocar em operação. Não há nada parecido nos EUA e tê-lo significaria enfrentar sua grande concorrente, a Lockheed Martin, fabricante do Hercules, o decano cargueiro turbo-hélice que está na mira do avião brasileiro. Do lado da Embraer, seria ver as portas abertas para dezenas de clientes hoje distantes.

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A FAB encomendou 28 unidades do KC-390 (foto - Embraer)
O KC-390 seria um grande trunfo para a Boeing na briga com a Lockheed Martin e o Hercules (Embraer)

Interdependência

Outro ponto de conexão privilegiado é o mercado executivo, onde a Embraer passou a atuar há poucos anos. Sua linha de jatos executivos vai do pequeno Phenom 100 ao Lineage 1000 passando pelos bem sucedidos modelos Legacy. A Boeing, por sua vez, atua nessa categoria com a linha BBJ (Boeing Business Jet), com versões executivas de seus jatos comerciais, como o 737 e o 787. Mais uma vez, seria um aparente “ganha-ganha”.

Isso sem falar de outras áreas menos chamativas onde ambas trabalham como sistemas, aviação agrícola ou espaço, um ponto onde a Embraer poderia investir nos próximos anos.

O artigo da Folha toca num ponto importante, o conteúdo estrangeiro dos aviões da Embraer. Ao contrário de outras indústrias, fabricantes de aeronaves não constroem seus produtos apenas com fornecimento local. Pelo contrário, é muito comum ter parceiros globais em componentes estratégicos. A própria Boeing, que há algumas décadas resolvia tudo “em casa”, hoje traz peças de várias partes do mundo para seus aviões. Essa interdependência é vital para ser competitiva e estar associada a um gigante como a Boeing pode melhorar processos e reduzir custos.

As oportunidades são imensas, mas é certo que o controle da Embraer certamente não deverá estar em jogo. A empresa tem sido fundamental para que a Força Aérea Brasileira mantenha uma capacidade respeitável em meio a redução do orçamento. Mesmo quando não participa de uma concorrência, como a FX-2 que elegeu o caça sueco Gripen NG, a fabricante acaba envolvida para absorver tecnologia para o país. Foi assim que programas importantes na sua história funcionaram, como o AMX, e devem seguir em pauta. Qualquer acordo com os americanos deveria passar pela preservação desse aspecto.

Atuação das duas fabricantes é bastante complementar (clique para ver ampliado)

Namoro ou casamento?

Caso as negociações não cheguem a nenhum acordo isso não significará uma tragédia. As duas empresas são saudáveis e têm atuação diversificada, chave para equilibrar as receitas quando há algum tipo de dificuldade em uma delas. Para a Boeing, talvez seja possível buscar outro parceiro, embora o impacto nos negócios seja bem menor. Desenvolver uma linha própria é uma saída demorada e cara perante a urgência da parceria Airbus-Bombardier. Mas não se deve desafiar os americanos nesse sentido – quando querem algo eles vão atrás.

Já para a Embraer, a associação abriria inúmeras possibilidades hoje fora do seu alcance. A fabricante tem uma bela lista de clientes, mas ainda precisa provar que a família E-Jet E2 é realmente competitiva e econômica como ela divulga. Os jatos da familia C Series parecem formidáveis, porém, têm capacidade elevada. A Embraer continua em posição privilegiada no segmento até 100 lugares, mas ganharia espaço se algumas regulamentações como a que restringe a capacidade de aviões regionais nos EUA fosse eliminada.

Sem a Boeing, a empresa seguiria com dificuldades em alguns mercados e setores, mas sua boa imagem perante a uma concorrência instável pode continuar a fazer a diferença. O duro será ver esse namoro empolgar e acabar num quase casamento. Haja terapia para conter a frustração.

Legacy 500: linha de jatos executivos brasileira colocaria Boeing em mercado hoje inexplorado por ela
Legacy 500: linha de jatos executivos brasileira colocaria Boeing em mercado hoje inexplorado por ela (Thiago Vinholes)

Veja também: Parceira Airbus-Bombardier é importante para a aviação mas pode afetar Embraer

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