Opinião: FAB deu tiro no pé no programa KC-390

Intenção de cortar encomenda para praticamente metade do número de aviões mostra falta de visão de longo prazo do governo Bolsonaro em projeto de grande potencial para o Brasil
Um dos quatro KC-390 recebidos pela FAB (Sargento Gaedke/FAB)

Um dos projetos mais complexos já levados à frente pela Embraer em toda a sua história, o jato multimissão KC-390 tem virtudes para ser uma das aeronaves mais bem sucedidas de sua classe. Mas não bastam apenas números vultosos de desempenho para vingar nesse segmento. É preciso mais do que isso, sobretudo o apoio inconteste do governo brasileiro.

E foi justamente nesse aspecto que o atual Comando da Aeronáutica decepcionou ao anunciar a intenção de cortar a encomenda de 28 aeronaves pela metade em abril deste ano.

Alegando falta de recursos enquanto planeja adquirir mais caças Gripen E e até mesmo dois Airbus A330, o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior, tentou justificar a decisão em um artigo que foi reproduzido em alguns veículos de imprensa.

O texto se contradiz ao afirmar que a FAB abriu mão “de importar os mais modernos sistemas de armas disponíveis no mercado mundial a preços compatíveis com nossas possibilidades” para investir num produto nacional, como se o governo fizesse um favor à Embraer ao buscar uma solução caseira e mais avançada do que adquirir, por exemplo, os turboélices C-130.

No entanto, logo em seguida, o Comandante da Aeronáutica diz que a “a FAB novamente apostou na capacidade de a Embraer desenvolver um avião vitorioso, comprometendo-se com o pagamento total do seu desenvolvimento que, a valores atuais, representa mais de onze bilhões de reais”.

Enquanto o KC-390 deve perder 13 unidades, o caça Gripen manteve os 36 caças encomendados (FAB)

O governo federal, que foi responsável pelo surgimento da Embraer graças à visão e tenacidade de Ozires Silva, continua a ser sócio da empresa e ter peso em algumas decisões, por essa razão afirmar que a Aeronáutica preferia comprar aviões estrangeiros soa como algo distorcido.

O projeto do KC-390 é oportuno para o Brasil. Além de equipar a Força Aérea com uma aeronave moldada para suas necessidades, pode dar origem a um produto de alto valor agregado com grande potencial de exportação.

Ganha o país por desenvolver uma aeronave maior e mais avançada, beneficiando a cadeia produtiva, além de gerar empregos de alta qualidade. É o peso que a Embraer tem em nossa balança comercial com seus aviões civis contrastando com o domínio de produtos como grãos, petróleo, celulose e minério de ferro, de baixo valor agregado (veja quadro no final do texto).

Ao reduzir o contrato de forma unilateral, a Aeronáutica dá um tiro no próprio pé, gerando desconfiança no projeto, que terá mais dificuldades para se viabilizar. E um avião com baixa produção significa um custo elevado de manutenção, afetando justamente a própria FAB num cenário extremo.

O Comandante da Aeronáutica Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior (FAB)

Programa de longo prazo

Não se ignoram os fatores orçamentários nesse cenário, mas não se “cancela o 2º tempo” com o jogo em andamento. Se a FAB um dia viu a necessidade de 28 aviões não faz qualquer sentido que de uma hora para outra seus estudos tenham mudado a ponto de cortá-lo praticamente pela metade.

Vale dizer também que programas como o KC-390 ou o F-39E/F Gripen são de longo prazo e atravessam vários mandatos presidenciais. O bom senso nesses casos delicados é realizar pequenos ajustes, seja para postergar entregas ou reduzir o custo se isso for possível.

Uma situação bem diferente da proposta do atual Comando da Aeronáutica, de ceifar a encomenda e comprometer o futuro do projeto. O anúncio inicial e a decisão de criar uma celeuma jurídica, já que não houve acordo com a Embraer, só contribui para minar a confiança no projeto.

Trata-se de uma visão imediatista para um governo que, a princípio, tem pouco mais de um ano de mandato, caso Jair Bolsonaro não consiga se reeleger. Não se tomam atitudes drásticas como essa sem consequências negativas para o país.

Com apenas 35 aeronaves encomendadas, o programa KC-390 está num momento decisivo em sua carreira. A Embraer entregou quatro aviões para a FAB e que estão sendo colocados à prova de diversas missões, contribuindo para o aprimoramento do projeto e para atrair novos clientes.

Trata-se de um mercado dificílimo em que até hoje nenhum outo avião ousou ameaçar o reinado do C-130. Mais uma razão para perserverar no apoio ao projeto, afinal a Embraer já foi bem sucedida em disputar mercado com concorrentes tradicionais, como o faz no segmento de aviação executiva.

Lockheed Martin C-130J Super Hercules - USAF
C-130, rival do KC-390: segundo Comandante da Aeronáutica, governo poderia ter comprado aviões “mais compatíveis com a nossa realidade” (USAF)

Disputa nos tribunais

Outros programas como o do A400M, da Airbus, ou do KC-46, da Boeing, passaram por várias atribulações, mas em nenhum momento deixaram de contar com o apoio de governos como a França, Reino Unido e EUA, por exemplo.

A Aeronáutica poderia ter lidado com o assunto de forma mais astuta e minimizar os prejuízos em conjunto com a Embraer. Ao afirmar que iniciou negociações com a empresa em abril, mas anunciar semanas depois a intenção de reduzir o contrato pela metade, Baptista Junior deu um duro golpe no KC-390.

Seria prudente ter pensado no longo prazo e talvez propor algum tipo de redução pontual dentro dos próximos orçamentos e condicionar parte das entregas aos próximos mandatários. Teria sido um movimento menos prejudicial e restrito ao período de influência da atual gestão.

As exportações do Brasil em 2021: Embraer representa quase 1% de participação num mix dominado por produtos de baixo valor agregado (MDIC)

Em comunicado ao mercado na sexta-feira, a Embraer afirmou que “buscará as medidas legais relativas ao reequilíbrio econômico e financeiro dos Contratos, bem como avaliará os efeitos da redução dos Contratos em seus negócios e resultados”.

Segundo a empresa, o governo federal decidiu reduzir unilateralmente em 25% os dois contratos assinados em 2014. Os detalhes sobre os pontos em que os dois parceiros discordam seguiam desconhecidos até a publicação deste artigo.

Resta à Embraer agora absorver o impacto da propaganda negativa criada pelo atual governo em relação ao KC-390 e convencer outros potenciais interessados que a aeronave é um ótimo produto, a despeito de já não ser tão vital à Força Aérea Brasileira.

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  1. O grande problema das FFAA sempre foram os políticos que sempre fizeram os orçamentos cada vez menores.NO GOVERNO ATUAL NÃO é diferente,pois o congresso podre e corrupto,não permite a este governo fazer o que deve ser feito..Discordo com este artigo que joga toda a responsabilidade no governo Bolsonaro.MUITO SUPERFICIAL A ANÁLISE DO AUTOR.

  2. EM TEMPO; SE A EMBRAER É O QUE É HOJE,FOI GRAÇAS A HOMENS ABNEGADOS E DETERMINADOS A CONSTRUIR UM BRASIL MELHOR E RICO EM TECNOLOGIA,TAIS COMO O MARECHAL CASEMIRO MONTENEGRO,CEL OSIRES SILVA,ENTRE OUTROS QUE
    AJUDARAM A CONSTRUIR A EMBRAER. A FAB,FOI O START DE TUDO,NUNCA DEVEMOS ESQUECER.

  3. Concordo plenamente que a decisao foi absolutamente desnecessaria no momento atual. Poderia se ter pelo menos a discricao de chamar a embraer e negociar antes de anunciar unilateralmente a reducao do pedido! Sacanagem da FAB e desse Tenente Brigadeiro da turma EPCAR 75……

  4. O grande problema das FFAA sempre foram os próprios militares, que com interesses particulares, minam e minam as mais diversas tentativas de melhor aparamentar seu pessoal. Não atoa falta dinheiro para salário e comida dos cabos, mas sobra para botinas defeituosas ou as bonanças do alto comando. É patética essa posição de parte da população em achar que, por ter um fardado criado uma Cia., com o dinheiro público e em meio a uma ditadura, tenhamos que ficar para sempre presos ao passado ou sermos submissos. Acorda, Marcio, ditadura passou, os militares servem ao povo, não o contrário.

    O artigo é de enorme sensibilidade e precisão ao tema. Estamos atrapalhando um projeto nacional, onde o Governo tem direito a royalties em cada venda, jogando tudo no lixo para comprar projetos estrangeiros e que não servem ao nosso propósito. Vamos o que, esperar a nova crise – um novo corona – para percebermos que não temos os equipamentos necessários para defendermos a nação? Esse Marcio é engraçado, deve achar que comprar avião é igual a ir no mercado atrás de um pão de forma…

    E outra, pra enterrar algum programa militar, ante do KC-390, podemos cortar os clubes recreativos, o camarão dos generais… ahhh, também temos as licitações para comida, onde curiosamente só ex-militares vencem o certame… que coisa…. por fim, podemos parar de jorrar dinheiro no programa do submarino nuclear, um projeto há décadas defasado, ou os navios da Marinha, sempre porcarias de 3a mão, mas não… esses não, vamos continuar dando nosso dinheiro para os aliados já ricos e para tirar da mão destes os pepinos… continuar comprando Mirage velho…. essa era a visão de nossos fardados, manter o Brasil no 5o mundo, pois quando alguém inova por aqui, só reconhecemos depois que EUA ou GB atestam a qualidade.

  5. Poder fabricar suas próprias armas já é meia vitória em qualquer disputa bélica, seja efetiva ou de equilíbrio de forças. O Brasil avança devagar para essa autonomia, tendo de enfrentar o mau-caratismo de elementos que preferem conceder aos grandes impérios a tarefa de nos “proteger” deles mesmos. Veja-se o caso do Almirante Othon Pinheiro da Silva.

  6. Artigo de quem não conhece a realidade da FAB e nem da Embraer! A FAB já havia sinalizado uma readequação há mais de 2 anos nesse programa. Além disso é totalmente normal rever quantidades de aeronaves encomendadas pela Força ainda mais em projetos em que a unidade é de alto valor como o kc 390. Fora isso a FAB pode voltar a rever os cobtratos e provavelmente o fará no futuro havendo orçamento.
    Ou seja a informação veio à tona em uma tentativa pouco profissional de algum agente de dentro da Embraer. Lembrando que quem detém a ação de ouro dentro da parte de defesa da Embraer é a FAB.
    Por fim, resta lembrar que as vendas do KC 390 pela Embraer estão aquém do que previa a FAB e portanto esta tem recebido menos royalties das vendas que esperado, gerando portanto menos receitas para os próprios KCs da FAB.
    Espero ter esclarecido.

  7. Leiam a nota da FAB. Só tem verdade. A FAB deixou de ter melhores armamentos pra alimentar a embraer. É importante sim fomentar a indústria nacional. Mas é fato q a embraer depende da verda da fab, e a fab está presa a essa amarra.

  8. Ao Marcio, faço minhas as suas palavras. Muitos “jornalistas” se fazem de “cegos” e não vêem (ou não querem ver) que os principais problemas do país nascem justamente nesse congresso (sim, letras minúsculas). Quanto ao atual Comandante da Aeronáutica, certamente faltou “jogo de cintura” e muita falta de visão, ainda mais com a Dubai Air Show que se iniciou no domingo.

  9. Após a leitura de alguns palpites de ´´ispicialistas´´em aviação,percebo o quanto de ´´super trunfo´´esses ´´ispicialistas´´ conhecem. EM TEMPO:QUAIS DESSES QUE PALPITARAM,AO MENOS CHEGARAM A RETIRAR UM PARAFUSO OU LER UMA TECHINICAL ORDER(T.O)de qualquer aeronave?Essa vale também aos ´´jornalistas´´ aeronáuticos´´ que pouco sabem de teoria e nada de prática em assuntos de aeronáutica,muito menos de Força Aérea.ANTES QUE PERGUNTEM,TIVE A HONRA O PRAZER E A CAPACIDADE TÉCNICA DE FAZER PARTE DA FAB COMO ESPECIALISTA EM MANUTENÇÃO DE AERONAVES,POR 31 ANOS,COMPLETANDO O CICLO ATÉ ATINGIR O NÍVEL DE INSPETOR DE MANUTENÇÃO.AO LONGO DESSE PERÍODO TRABALHEI DIRETAMENTE COM VÁRIAS AERONAVES DE DIVERSOS FABRICANTES,INCLUSIVE A EMBRAER(A-29 E T-27)CONTRIBUINDO PARA A IMPLANTAÇÃO DO EMB-314 NA FAB.FINALIZO DIZENDO QUE ´´COMPRAR AVIÃO ENVOLVE MUITOS QUESITOS ,UM DOS QUAIS,DINHEIRO PARA HONRAR COMPROMISSOS´´E QUE UMA AERONAVE NÃO É UM CARRO,SEI MUITÍSSIMO BEM,NA PRÁTICA.

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