Os jatos comerciais que (quase) ninguém quer comprar

Até versões de aeronaves bem sucedidas sentem o gosto amargo de quase não terem clientes, um sinal de que nem sempre os estudos dos fabricantes conseguem acertar em suas previsões
Com destino incerto, introdução do E175-E2 depende da mudança das regras da aviação regional dos EUA (Embraer)
O E175-E2, da Embraer: nenhuma companhia aérea interessada por enquanto (Embraer)

Pouco tempo depois de estrear em serviço, em 1970, o 747 mostrou-se uma aeronave de capacidade inigualável, mas também muito grande para cumprir determinadas rotas. Ao mesmo tempo, seu alcance na versão 747-100 era restrito para atender alguns destinos.

A Pan Am, que havia estreado o quadrirreator, logo propôs para a Boeing a criação de uma variante de menor capacidade e maior alcance. A fabricante viu a demanda com interesse afinal suas concorrentes McDonnell Douglas e Lockheed haviam lançado jatos de três motores menores, o DC-10 e o L-1011 TriStar.

Foi dessa necessidade que surgiu o 747SP, de Special Performance (desempenho especial), um jato mais curto, com apenas 56 metros de comprimento, mas alcance de 10.800 km, o maior já oferecido na aviação comercial até então.

Parecia a receita ideal para a Boeing ter um jato intermediário entre o velho 707 e o imenso 747-100, mas o modelo foi um fracasso retumbante a despeito de ter batido vários recordes. Com a crise do petróleo, o 747SP se mostrou um avião caro de operar e com capacidade pequena e apenas 45 unidades foram fabricadas.

O exemplo do 747SP ilustra um fato incômodo para os principais fabricantes de aviões comerciais, o de que, mesmo com estudos aprofundados, essas empresas erram com frequência quando definem quais versões serão oferecidas de determinadas aeronaves.

A Pam Am foi a maior operadora do 747 SP, com 11 aparelhos (Divulgação)
O 747SP foi uma tentativa de unir uma capacidade menor de passageiros com um alcance grande (Divulgação)

Trata-se de uma equação delicada e que acaba sendo surpreendida por mudanças no mercado. A Embraer, por exemplo, priorizou as variantes E170 e E190 quando lançou sua nova família de jatos regionais em 1997. Somente tempos depois surgiu o E175 que se transformou no modelo mais vendido da série enquanto o pequeno E170 não passou de 196 pedidos até hoje.

Atualmente, há vários casos de versões com vocação para o fracasso, algumas delas parte de famílias de sucesso como o A320neo. Essa situação pode ser revertida, é verdade, mas normalmente são aviões fadados a se tornarem raridade nos aeroportos do mundo.

Veja a seguir os jatos que hoje têm poucos ou nenhum interessado:

Airbus A319neo

Até novembro, a família A320neo acumulava impressionantes 7.200 pedidos, mas acredite, a variante A319neo teve apenas 36 unidades encomendadas ou 0,5% do total. Mas o que faz duas variantes serem sucesso absoluto, o A320neo e o A321neo, e outra um fracasso retumbante? No caso do A319neo, uma combinação de características como a capacidade de passageiros pequena e o fato de existirem aviões mais eficientes como o A220-300 da própria Airbus. Hoje o A319neo é basicamente interessante para governos e uso executivo.

O A319neo pode realizar viagens de até 6.950 km (Airbus)
O A319neo teve até o momento 35 pedidos (Airbus)

Airbus A330-800neo

O abismo entre o A330-900neo e o A330-800neo não é tão profundo como em relação ao A319neo, mas a menor variante do widebody também está devendo e muito: são apenas 14 encomendas contra 285 do -900. Embora capaz e econômico, o A330-800neo não atraiu companhias aéreas até agora com exceção da Kuwait Airways, Uganda Airlines e de um cliente não revelado.

O que causa um certo espanto é que o A330-800neo possui um alcance impressionante, de 15.100 km, bem superior ao do irmão, e ainda transporta até 260 passageiros. Além disso, o Airbus é o primeiro degrau entre os widebodies da companhia e o sucessor natural do A330-200, que teve uma boa carreira comercial.

(Airbus)
Mesmo com um alcance impressionante, o A330-800neo só tem 14 unidades encomendadas (Airbus)

Boeing 737 MAX 7

O 737 estreou na aviação com uma capacidade de passageiros que hoje é pífia comparada a de outros aviões recentes, mas mesmo crescendo durante décadas o jato mais vendido da Boeing vem “matando” suas versões menores. Primeiro foi o -200, depois o -600 e agora o MAX 7 é a bola da vez. Com apenas 82 pedidos, o menor dos 737 da atual geração sofre de um fenômeno parecido com o A319neo, é pequeno e com concorrentes mais eficientes e baratos.

As primeiras entregas do 737 MAX 7 estão programadas para o início de 2019 (Boeing)
Menor membro da série MAX, o 737 MAX 7 conseguiu 82 vendas, a maior parte para a Southwest (Boeing)

Boeing 777-8

Com um alcance de mais de 16 mil km, o 777-8 será capaz de voar por quase todo o planeta quando entrar em serviço, mas isso não tem significado grande coisa para a Boeing. A menor variante da nova família 777X atraiu até o momento apenas duas encomendas, uma da Emirates (35 unidades) e outra da Qatar (10 aviões). No entanto, esta última já admitiu que pode convertê-la para a versão maior, 777-9, caso o desempenho de ambas seja muito semelhante.

A Boeing também acaba de perder a disputa para a Airbus com o A350-1000, que foi escolhido pela Qantas como aeronave para seus voos de ultra longa distância. Não é à toa que o 777-8 teve o projeto congelado até que a fabricante resolva os problemas com os motores do novo widebody e consiga entregar os primeiros 777-9. Até lá, o futuro do menor 777X segue obscuro.

O 777-8 (ao fundo) foi colocado na geladeira pela Boeing enquanto resolve os problemas dos motores GE9X (Boeing)

Embraer E175-E2

Se como um todo, a família E2 de jatos regionais da Embraer ainda esteja devendo em encomendas, a versão menor, o E175-E2, chama a atenção por não possuir um único cliente. É uma situação extremamente incômoda para o fabricante brasileiro por uma simples razão: o E175-E2 poderia ser o mais bem sucedido da família, assim como ocorre com seu antecessor. Mas a Embraer bancou uma jogada arriscada ao ampliar sua capacidade na esperança que a cláusula de escopo do contrato entre pilotos e companhias aéreas dos EUA fosse relaxada.

Isso não só não ocorreu como parece improvável a curto prazo, isso porque ao permitir aviões menores em companhias regionais associadas à empresas como American, United e Delta, esses profissionais perderão empregos com salários melhores e que serão substituídos por vagas menos atraentes nessas empresas menores.

Por essa razão, os compromissos de vendas do E175-E2 sumiram do seu backlog em 2018 e o jato vive uma situação inusitada, com o primeiro voo ocorrendo há poucas semanas sem que haja qualquer garantia de que haverá encomendas até sua certificação em 2021. Mas a Embraer segue confiante de que esse quadro mudará no futuro. Seria ótimo para que o E175-E2 não se junte ao triste grupo dos jatos que nenhum cliente quer.

O jato comercial E170 foi o avião mais entregue pela Embraer no período, com 11 unidades despachadas (Embraer)
Primeira versão da família E-Jet, o E170 vendeu pouco (Embraer)

Veja também: Por que o Airbus A318 foi um fracasso de vendas?

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