E se os chineses comprarem a Embraer?

Após a Boeing desistir da joint venture com a fabricante brasileira, empresas da China são sugeridas como novos parceiros estratégicos para a Embraer

Com destino incerto, introdução do E175-E2 depende da mudança das regras da aviação regional dos EUA (Embraer)
O E175-E2, da Embraer: nenhuma companhia aérea interessada por enquanto (Embraer)

O vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, disse durante videoconferência nesta terça-feira, 27, que a Embraer deveria considerar a China como parceira após a Boeing cancelar o acordo de joint venture com a divisão de aviação comercial da empresa brasileira.

“Nós temos o produto e eles têm a necessidade. Nós temos a tecnologia…É um casamento inevitável”, afirmou Mourão.

Em meio à polarização política dos dias atuais, com debates ideológicos e a crise do coronavírus, a declaração do vice-presidente pode soar na contramão do que pensa a liderança do governo atual, sobretudo pelo histórico recente de críticas à China em meio a pandemia.

A parceria com a Boeing era considerada vital para o futuro da Embraer. O poder de negociação da empresa norte-americana estabelecido no mundo todo daria maior projeção aos aviões projetados no Brasil, além de oferecer vigor financeiro para bancar novos projetos, como a proposta de um turboélice de nova geração que vinha sugerida por executivos da companhia. Do outro lado, a fabricante dos EUA teria produtos para competir no setor de aviação regional, em especial contra Airbus A220 (ex-Bombardier CSeries). O acordo também incluía uma segunda joint venture para comercialização do jato militar C-390 Millennium.

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Agora nada disso vai acontecer. Em conferência com investidores, o CEO da Embraer, Francisco Gomes Neto, descartou a chance de retomar a negociação com a Boeing, mesmo que sob termos diferentes. O executivo ainda disse que a companhia está aberta para novas parcerias, “mas precisamos de tempo para decidir o próximo passo estratégico.”

Quer ser meu parceiro?

Em um mercado dominado pela Boeing e Airbus, quem mais poderia se unir a Embraer? Empresas da Europa, como a francesa Dassault ou o que restou da alemã Dornier, não teriam dinheiro neste momento ou interesse em parcerias. No Japão, a Mitsubishi Aircraft assumiu recentemente a série CRJ da Bombardier e ainda quebra a cabeça para concluir sua própria linha de jatos regionais. Outra opção seria negociar com os russos, mas eles também estão ocupados demais (e gastando demais) com o jato Irkut MC-21 e o projeto de um novo widebody.

Com todo esse embaraço e incertezas no setor aéreo, as únicas fabricantes que terão fôlego para novos investimentos após a crise do coronavírus são aquelas com proteção estatal. Nesse caso, desconsiderando as já atarefadas empresas russas, sobram apenas nomes da China.

“Airbus chinês”: o C919 deve chegar ao mercado somente em 2022 ou mais tarde (Ken Chen)

A chance de uma parceria da Embraer com empresas chinesas ainda é pura especulação. Se confirmada, certamente seria recebida pelos brasileiros como um pandemônio. Para a companhia brasileira, uma negociação nesse sentido seria como andar em um chão de brasas, mas tomando um banho de bilhões de dólares.

A China tem hoje o segundo maior PIB do mundo, atrás apenas dos EUA. Com a ajuda do estado, a indústria aeronáutica chinesa vem dando importantes passos nos últimos anos, com grandes investidas nos setores militar e comercial.

A “Boeing da China” é a COMAC (China Commercial Aircraft), empresa que está desenvolvendo o jato C919, uma aeronave para concorrer com os tradicionais 737 e A320. É um projeto ousado e importante para abastecer o enorme mercado doméstico chinês, além de representar um grande avanço tecnológico para o país. Mas para isso o avião precisa ser finalizado, algo que os chineses ainda não conseguiram.

Além da ousadia, o C919 também é notório pelos atrasos em seu lançamento, programado originalmente para 2014. Há 18 anos no mercado, a COMAC ainda está “aprendendo” a construir aviões comerciais. Foi assim com todas as grandes fabricantes. No entanto, as lições poderiam ser aceleradas com a ajuda de um parceiro acostumado aos desafios da aviação, algo que a Embraer começou em 1969.

O COMAC ARJ21-700 é projetado para transportar até 90 passageiros (Xinhua)
A COMAC também produz o jato regional ARJ-21, um projeto derivado do antigo DC-9 (Xinhua)

O expertise dos engenheiros da Embraer era considerado um dos maiores atrativos na negociação da joint venture com a Boeing e poderiam figurar em novos projetos da empresa norte-americanas. Imagine então a ajuda que eles poderiam dar aos chineses?

Além de colaborar em projetos chineses, a Embraer também teria presença garantida no mercado de aviação chinês, que nos próximos anos tende a ser o maior do mundo. Isso, contudo, poderia transferir a produção das aeronaves para a China, onde tudo é mais barato e o que manda na aviação é o dinheiro, custe o que custar.

Negócios da área militar

Da mesma forma como a Boeing queria participar do programa C-390 Millennium da Embraer, o mesmo poderia acontecer com a AVIC, outra fabricante aeronáutica controlada pelo governo chinês, especializada em aviação militar e que já foi parceira da empresa brasileira no passado.

Estabelecida em 1993, embora suas origens remontem a década de 1950, a AVIC tem um vasto portfólio de aeronaves militares, incluindo variados caças, de modelos convencionais a jatos stealth de última geração, bombardeiros, aviões de carga e helicópteros de transporte e ataque. A empresa é hoje o principal fornecedor de equipamentos aéreos para as forças armadas chinesas.

A força aérea chinesa planeja adquirir até 300 unidades do novo cargueiro (O Y-20 pode alcançar velocidade máxima de 920 km/h (Reprodução/Chinese Military Review)
A AVIC tem um modelo acima do C-390 da Embraer, o Y-20 (Reprodução/Chinese Military Review)

Um dos poucos produtos que faltam no menu da AVIC é justamente a opção de cargueiro médio a jato, como o C-390. A empresa atua nesse segmento com o turboélice Y-9 e o Y-20, o maior avião produzido na China.

Negociações sobre o Super Tucano seriam mais complicadas, uma vez que a Embraer já tem um acordo com a Sierra Nevada Corporation para produzir o avião nos EUA e envolver a AVIC soaria estranho, embora a última palavra acaba sendo a de quem paga mais.

Na atual situação, juntando os cacos da crise, a Embraer não deve negociar tão cedo um novo acordo de parceria envolvendo algumas de suas divisões. Passada a crise, essa possibilidade pode ser discutida, mas a conclusão de qualquer negócio, como foi o acordo com a Boeing, precisa ser avalizada pelo governo brasileiro, que detém as ações “Golden Share” que dão poder de veto a decisões estratégicas na empresa.

A pergunta que fica: se a Embraer receber uma proposta sedutora da China e que garanta sua sobrevivência e sucesso no futuro, a negociação deveria ser autorizada pelo governo?

Veja mais: Bolsonaro afirma que governo pode negociar venda da Embraer com outras empresas

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